22 mai, 2017
No mês passado, várias pessoas disseram-me que este ano é que é: Portugal tem uma canção para ganhar.
A minha primeira reacção foi lembrar o ano da "Desfolhada" da Simone, que era também "trigo limpo" e depois foi o que se viu. No entanto, decidi ouvir (o YouTube é uma grande descoberta, facilita imenso estas coisas: está lá tudo).
Apesar da minha atitude de Nataniel céptico, a primeira impressão de "Amar Pelos Dois" foi claramente positiva; mas a canção é como a água tónica: aprende-se a gostar (essa foi, pelo menos, a minha experiência); e deixa de ser uma canção boa para ser uma canção muito boa, mesmo muito boa.
Entre isto e o orgulho e ver um produto nacional no mercado internacional (e, mais uma vez, com a ajuda do YouTube), decidi ver o festival.
Mais do que um festival da canção, foi um festival de incoerências e ironias.
Para começar, a ironia de que, num festival com o lema "diversidade", a grande maioria das canções siga o molde "chapa 3" daquilo que Salvador Sobral denomina como música "fast food" (uma designação algo injusta mas que se ajusta ao que ouvimos). E no que respeita à língua, o que temos é tudo menos diversidade.
Depois, temos o sistema de votação. Segundo consigo perceber, a ideia de incluir júris nacionais para além da votação popular é garantir que a escolha da canção vencedora se baseie não só no apelo ao ouvinte médio como também ao especialista em música. No entanto, a votação dos júris nacionais pareceu-me tudo menos profissional. Não quero fazer aqui qualquer tipo de acusação, mas os padrões de favoritismo falhariam qualquer teste estatístico de imparcialidade. Por exemplo, se bem me lembro a Grécia atribuíu 12 votos ao Chipre enquanto que o Chipre atribuíu 12 votos à Grécia. Hmm!
A canção portuguesa venceu com justiça. Não sei se dizer "apesar de ser tão diferente" ou "por ser tão diferente". A compositora, Luisa Sobral, referiu-se à simplicidade do arranjo, que obriga o ouvinte a prestar mais atenção à canção do que aos extras. Também ajuda o facto de ser uma canção que melhora com a repetição (ao contrário do que acontece com grande parte dos outros concorrentes).
Não sei quando será a próxima vez que verei o Festival da Eurovisão, mas se houver outra canção portuguesa como a deste ano, por favor avisem.