16 nov, 2016
A vitória de Donald Trump constituiu a segunda grande surpresa internacional do ano, depois do Brexit. E como em relação ao “adeus europeu” de Londres, sabemos melhor, com Trump na Casa Branca, quem perdeu do que quem venceu ou, sobretudo, o que é que o futuro poderá fazer perder. Donald Trump é politicamente incorreto, populista, reacionário, isolacionista, racista, demagogo, machista, sexista, aventureiro, impreparado, e o mais que se lhe queira chamar. Mas venceu, e em democracia os resultados de uma eleição são sempre legítimos. O esquerdismo da maioria dos média – na América e na Europa – persiste em minimizar este facto e continua, numa snobeira pouco tolerante, a denegrir os quase 60 milhões de cidadãos que preferiram Trump a Hillary, o protesto ao sistema, a esperança de mudança à continuidade de um trilho julgado negativo. Hillary perdeu; mas Obama foi também um claro vencido.
O que se segue? Eis a pergunta que nos deve guiar. O presidente Trump não poderá ser diametralmente diferente do candidato Trump. O eleitorado que o elegeu condiciona-o mais do que os moderados que o Partido Republicano possa colocar em seu torno. E por isso alguma (muita?) coisa vai mudar. Na política doméstica, Trump terá de abolir o Obamacare, blindar a fronteira com o México, endurecer o controlo da imigração e sobre as comunidades islâmicas e ir fechando os olhos aos aduladores da 2.ª Emenda. Mais preocupante será o que Trump irá fazer, ou querer fazer, na política externa. No pior dos cenários, vai ignorar a Europa, hostilizar a China, “namorar” Putin, rasgar tratados comerciais e compromissos de preservação ambiental, promover o protecionismo e a autarcia, e fragilizar a NATO e a solidariedade atlântica (o Brexit é um seu aliado nisto). O resultado poderá ser um mundo muito mais incerto, perigoso, regionalizado e selvático, reflexo de uma superpotência desconfiada, fechada e em recuo, que opta pelo isolacionismo por um misto de orgulho no “America first” e de retraimento em relação ao papel dos EUA no mundo.
Não acho que Trump seja um pré-Hitler, até porque, com 3% de crescimento e quase pleno emprego, os Estados Unidos estão longe de qualquer comparação com a República de Weimar. Apesar das suas muitas idiossincrasias, é muito mais confiável do que Putin, Erdogan e companhia. Mas não se pode perder de vista a novidade radical da sua vitória: pela primeira vez, o populismo protestante não está nas ruas, mas sentado à secretária da Sala Oval. O “trumpismo” mostrou que é possível “lá” chegar; e mostrou-o pela porta gigantesca da eleição presidencial americana. Se imaginarmos que o nome europeu do “trumpismo” é o “euroceticismo” das direitas populistas e xenófobas que por aqui proliferam, percebemos que da América pode estar a vir um precedente e um alento para outros Trumps – se calhar bem mais perigosos. Uma direita muito musculada e pouco recomendável já tomou conta da Hungria ou da Finlândia. E no próximo ano, a França, a Alemanha, a Holanda e a Áustria vão a eleições. Ter Marine le Pen no Palácio do Eliseu ou Frauke “Adolfina” Petry na chancelaria de Berlim é um pesadelo para qualquer europeu; mas esses cenários ficaram menos irreais com a eleição de Trump – e é preciso tomá-los a sério.
Habituámo-nos a olhar para os EUA como a maior democracia do mundo e ao seu presidente como o líder do mundo livre. Neste momento, vendo as notícias, aparições e declarações do presidente eleito, não consigo ver isso em Donald Trump. Mas espero que, com uma ou outra excentricidade anedótica pelo caminho, ele não deixe de o ser.