Fernando J. Regateiro
Opinião de Fernando J. Regateiro
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​O medo

02 jun, 2016 • Opinião de Fernando J. Regateiro


No tempo passado, dir-se-á que havia a ignorância como fiel servidora do medo. Mas hoje, com o acesso generalizado à informação, que razões podem justificar a elevada prevalência da armadilha do medo?

Já trouxe o medo para uma crónica, em 2012. Éramos, então, confrontados com a agorafobia de alguns dos responsáveis maiores do país, ao ponto de os ter levado a celebrar o 5 de Outubro – dia da implantação da República – em espaço fechado, só com convidados! E motivado também pelo medo que começava a grassar nos portugueses, em conexão com o temor das repercussões negativas que se antecipavam na equidade e na justiça e coesão sociais, geradas por políticas públicas caracterizadas por uma intensa austeridade.

Hoje, regresso ao tema. Para referir que o medo é um estado emocional, uma reacção psicológica e fisiológica provocada pela consciência de perigo ou ameaça, sejam eles reais ou imaginários. Sinaliza, para quem o sente, que algo de ruim, de desagradável, pode acontecer.

Na reacção fisiológica ao medo distingue-se o “arco instintivo”, como forma primária de protecção da vida, de sobrevivência, de preparação do indivíduo para a fuga ou a defesa. Neste “arco”, não intervém a razão, pelo que não beneficia de aprendizagens e experiências prévias. É há o “arco racional”, em que a integração e a ponderação corticais de informações e experiências prévias associadas a perigo ou ameaça, permitem a adequação da reacção fisiológica e emocional ao respectivo patamar de risco.

No tempo passado, dir-se-á que havia a ignorância como fiel servidora do medo. Mas hoje, com o acesso generalizado à informação, que razões podem justificar a elevada prevalência da armadilha do medo? Tenho para mim que uma das causas estará na forma como é servida e é consumida a informação – como algo descartável, um fim em si e não um meio para a criação de conhecimento útil a usar na ponderação cortical, na elaboração de juízo próprio. E sem o patamar do juízo próprio não há suporte para a mudança de atitudes e de comportamentos.

Ontem, como hoje, as armadilhas feitas de velhos e novos medos continuam a ser alimentadas pelos detentores de poder e pelos aspirantes a poder, seja a relação de domínio do foro interpessoal, ou à escala de um povo ou de um estado. O “poder” sabe bem quanto os medos perturbam o pensar e a identificação e escolha da verdade, quanto agrilhoam a vontade e permitem enganar e manipular a opinião individual e colectiva. Por outro lado, haverá ainda o recurso ao uso assimétrico da informação e do conhecimento para gerar medos e sustentar dependências, quiçá atentatórias da liberdade e dignidade humanas, e a apropriação indevida de riqueza.

Saber administrar o medo, continua a ser um recurso precioso para o acesso ao poder e para o exercício do poder!

Comentários
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  • Fernando de Almeida
    04 jun, 2016 Porto 02:26
    Em questões do exercicio do poder so' pode administrar o medo quem tiver, um minimo de provas dadas, no exercicio de um pequeno poder.
  • Carlos Albero
    03 jun, 2016 Mira 10:16
    Ter ou não ter medo, eis a questão. Há 40 ou mais anos atrás, era prática comum incutir-se o medo bastando, para isso um simples conto de bruxas ou de lobisomens. Quer fosse ao borralho quer fosse a ameaça do "vem aí o velho do saco" perante uma qualquer traquinice que se fizesse, incutir medo significava, por inerência, incutir respeito e, claro, quando isso não funcionava, lá vinha a velha palmada no rabo que nos punha em sentido. Fazia parte do crescimento e da educação. Todos esses "medos" deixaram de existir. Foram trocados por uma espécie de "coragem" fictícia em que os mais pequenos, e nem só, lutam "no terreno" com as personagens dos contos com que nos incutiam o medo/respeito. Resumindo: se virtualmente os mais novos, e nem só, (repito) podem confrontar e vencer bruxas, lobisomens, dragões, gigantes e toda um panóplia de seres terríveis que naquela época "povoavam" todos os cantos escuros das nossas casas, como podemos aspirar a que eles tenham medo/respeito pelo pai, pela mãe, pelos professores ou por quem quer que seja?
  • Bento Fidalgo
    03 jun, 2016 Agualva 01:32
    Não entendi qual medo. De quem é mal governado ou de quem governa mal? Mas medo é coisa que já não existe, nem se põe em causa. Da parte daqueles, nós, mal governados pelo estado, ninguém tem senão não escrevíamos o que escrevemos. Da parte de quem governa também não. Eles fazem as leis para eles, estão sempre legais e têm direito, concedido por eles a eles mesmo. Estando tudo conforme a constituição, feita por eles e muito bem resguardados, hão-de ter medo de quê? Nem medo nem vergonha. A constituição, feita por eles, permite-lhes irem para a cadeia e aparecerem renascidos das cinzas, aplaudidos e incentivados, como heróis, prontos para retomarem os seus lugares no trono. Qual medo, ninguém tem medo. O único medo era não ser legal mas, como isso é o mais fácil: fazer leis, o seu escrutínio e promulgação!! Qual medo.
  • Marquessilva
    03 jun, 2016 Coimbra 00:37
    É óbvio que neste domínio o Dr. Fernando Regateiro tem o dom da palavra e sabe bem do que fala.
  • Zé Açor
    02 jun, 2016 Açores 16:43
    Tal como escreve A. Costa no seu comentário, mas também para defender privilégios elitistas, como atribuição de subsídios injustificados legal e socialmente a alguns colégios privados, que atingiram as raias da saturação, por parte de OCS.
  • António Costa
    02 jun, 2016 Cacém 07:49
    "...com o acesso generalizado à informação..." ou inundação de informação? Sempre a repetir-se o mesmo, centenas de vezes, a pessoas que não tem tempo? É um ciclo, pois para se perceber já tem de se saber alguma coisa, o que procurar e onde. A ausência de informação e o a "censura" de ONTEM foi substituída pelo DESPEJAR de informações IGUAIS que se fazem HOJE. Uma simples Foto de uma criança numa praia é um CRIME contra a Humanidade, mas milhares de crianças mortas em atentados não faz mal. Basta que não apareçam nas fotos....