Fernando J. Regateiro
Opinião de Fernando J. Regateiro
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O que é a vida?

31 mar, 2016 • Opinião de Fernando J. Regateiro


Com este tipo de experiências, é de antecipar a possibilidade de se poder vir a perceber melhor a função dos diferentes genes, adicionando-os um a um ou em conjuntos para acrescentar novas camadas de funcionalidades e de complexidade.

Esta é uma pergunta que continua sem uma resposta satisfatória. Nos seres unicelulares, consideram-se funções elementares da vida, a síntese de proteínas, os processos metabólicos, a regulação da homeostasia e a auto-replicação. Em contraponto, pense-se na complexidade de uma vida humana!

Neste âmbito, a revista Science publicou, recentemente, um artigo da autoria do grupo de investigação de Craig Venter, em que é relatada uma experiência que poderá ajudar, no futuro, a compreender melhor como se inicia uma nova vida e como se desenvolve a complexidade dos seres vivos.

Nesta experiência, os cientistas sintetizaram um genoma juntando um mínimo de informação genética veiculada em apenas 473 genes. Seguidamente, eliminaram o genoma de uma bactéria pré-existente e, no citoplasma restante, introduziram o genoma sintetizado de novo, construindo assim uma nova forma de vida bacteriana que designaram como Syn3.0. E esta, de imediato, iniciou os processos conducentes à síntese de proteínas e à replicação.

Com este tipo de experiências, é de antecipar a possibilidade de se poder vir a perceber melhor a função dos diferentes genes, adicionando-os um a um ou em conjuntos para acrescentar novas camadas de funcionalidades e de complexidade. Será uma tarefa bem complexa: na Syn3.0, com apenas 473 genes, ainda não é conhecida a função de 149 genes! E é ainda previsível que possam vir a servir para compreender a evolução das formas de vida desde os seus primórdios, para sintetizar medicamentos, para a produção de biocombustíveis ou para bioremediar o ambiente.

A Syn3.0 é diferente de todas as bactérias existentes, por ter apenas os genes que lhe permitem viver. Em regra, uma bactéria contém cerca de 4.000 a 5.000 genes. Já o desenvolvimento de um ser humano e o seu viver assentam na informação de cerca de 20.000 genes.

Se a função de um terço dos genes da Syn3.0 não foi identificada, apesar do ambiente laboratorial em que o seu genoma foi sintetizado, imagine-se a complexidade que se deve atribuir à determinação da função dos genes humanos - pelo seu número e pela complexidade que subjaz à regulação da sua expressão e à interacção dos produtos que codificam, uns com os outros e com o meio ambiente.

Muitos dos genes humanos hão-de contribuir para o viver da racionalidade de Craig Venter investida na construção do Syn3.0, ou de Higgs usada para calcular, matematicamente, a existência do bosão. Mas os mesmos genes existem também nos que não desenvolveram o mesmo tipo de racionalidade e apenas dispõem da “fé” para acreditar em Venter e Higgs.

E que dizer da complexidade da identificação de genes debilmente conectados com expressões subjectivas do viver humano, como sejam a razão e os trilhos da consciência, uma paixão, o amor, ou o deslumbramento perante a beleza?

Comentários
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  • António Costa
    01 abr, 2016 Cacém 03:17
    E claro que "...dispõem da “fé” para acreditar em Venter e Higgs...", ou não é o bosão de Higgs, a partícula de Deus?
  • António Costa
    31 mar, 2016 Cacém 12:57
    Simplificando "um pouco" o calão técnico, o código genético são "instruções" que ao serem "lidas" permitem todo o ciclo "necessário" à vida. As células tem esse "livro de instruções" no seu interior (o genoma, conjunto de genes). Ao longo do tempo o Homem tem alterado e feito experiências com esse "livro de instruções" ( alterações genéticas nos seres vivos ). O que foi criado agora, foi uma célula integralmente sintética, ou seja produzida pelo Homem. Durante estes últimos anos tem-se desenvolvido e melhorado as "ferramentas", que permitem alterar e modificar o código genético dos seres vivos. A titulo de exemplo, os virus o que fazem é "alterar as instruções" de uma célula, modificando o seu funcionamento, colocando-a a produzir virus.