Fernando J. Regateiro
Opinião de Fernando J. Regateiro
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A verdade, em tempo de campanha eleitoral

07 jan, 2016 • Opinião de Fernando J. Regateiro


Dir-se-á, então: a cada um, a sua verdade! O que, sendo verdade, tolerará graus de liberdade relativamente modestos para as realidades físicas externas ao homem e bem mais amplos para as verdades geradas por realidades próprias da internalidade humana.

A verdade tem a ver com o conhecimento e o discurso sobre a realidade, com o discurso assente em dois planos: o dos sentidos e o do juízo.

A percepção da realidade externa (por exemplo, de uma flor), gera um discurso que corresponde à representação mental do objecto. Contudo, os sentidos podem ser enganados, como acontece com as miragens num deserto. Assim, para além da percepção das realidades externas e para que haja uma correspondência mais próxima entre a realidade e o discurso é preciso recorrer ao conhecimento e ao juízo crítico ditado pela razão.

Um esteio da verdade reside na consciência moral conjugada com a razão. Contudo, sendo os juízos da consciência do domínio psicológico e afectivo, a ponderação da verdade (como também acontece com o bem e o mal) não é imune ao ambiente familiar, social, cultural e religioso em que cada indivíduo teve a sua educação, vive e convive. Assim, a construção da verdade é modelada pelas crenças, por códigos morais, pela educação, pela experiência, pelo conhecimento. Ora, se as variáveis anteriores, por natureza mutáveis, têm a ver com o sujeito e não com uma dada realidade, há um relativismo intrínseco na construção da verdade, não havendo lugar nem para uma verdade primeira, nem para uma verdade última.

Dir-se-á, então: a cada um, a sua verdade! O que, sendo verdade, tolerará graus de liberdade relativamente modestos para as realidades físicas externas ao homem e bem mais amplos para as verdades geradas por realidades próprias da internalidade humana.

Os problemas associados ao relativismo da verdade surgem quando este é transformado em doutrina, ao ponto de sustentar a negação do valor da verdade, em vez de ser motivo para a procura do consenso possível e do respeito pela diferença. E, partindo do valor da diferença, para se lutar contra as verdades únicas e absolutas, como algozes da razão humana e fontes de medo, quiçá de risco de vida.

Olhando para a manipulação da realidade e da verdade que alguns políticos praticam com assinalável êxito eleitoral, vive-se com a sensação amarga de que a razão humana se está a afastar, cada vez mais, dos padrões da honradez, da transparência e da verdade, e a valorizar a ilusão, a mentira e a corrupção, com estas últimas a ocuparem os espaços de influência da decisão pública e das escolhas privadas.

Por isso, mesmo na actual campanha para a eleição do próximo Presidente da República, onde se esperava que apenas a verdade e a elevação fossem os referenciais, também aqui se encontram, nas intervenções de alguns candidatos, a dissimulação, descarados golpes baixos e alguma lama...

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