Em ano de comemorar a Democracia, há um pilar em risco: o Jornalismo

29 dez, 2023 - 19:53 • Liliana Carona

A um mês da realização do 5.º Congresso dos Jornalistas que acontecerá a 18, 19, 20 e 21 de janeiro de 2024 em Lisboa, sob o mote "Jornalismo, Sempre", um investigador da UBI – Universidade da Beira Interior põe o dedo na ferida e aponta as causas de um jornalismo em risco.

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Não é novidade a crise do jornalismo e dos jornalistas que sentem no bolso que o exercício da profissão continua de mãos dadas com a precariedade. Quem está atento há vários anos à matéri, é Pedro Jerónimo, investigador da UBI - Universidade da Beira Interior, na Covilhã, que confirma, em números, a realidade dos dias.

"Relativamente ao cenário do jornalismo em Portugal, olhando para os acontecimentos mais recentes, nomeadamente no grupo Global Media Group, no despedimento de 150 trabalhadores, maioritariamente jornalistas, recupero o Inquérito Nacional, Estudo do MediaTrust.Lab, projeto da Universidade da Beira Interior", conta à Renascença.

Ao inquérito, feito em 2022, responderam 485 jornalistas, "sendo que 50,5% tinham um salário bruto abaixo dos mil euros, também mais de 50% eram freelancers, sem contrato fixo, a trabalharem com uma e mais empresas e a receberem mediante o que conseguem produzir".

Pedro Jerónimo recorda também os casos, cerca de 16%, de jornalista que "não recebem qualquer salário".

"Estamos a falar de um cenário de precariedade continuada. O cenário no contexto português não é nada animador", observa

A aplicação do referido inquérito decorreu entre os meses de julho e outubro de 2022, numa iniciativa do MediaTrust.Lab - Laboratório de Media Regionais para a Confiança e a Literacia Cívicas, projeto em curso no LabCom - Comunicação e Artes, unidade de investigação da Universidade da Beira Interior, que conta com a participação da Universidade de Coimbra e financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Será que podemos continuar a falar em meios nacionais?

Perante o cenário de precariedade, o investigador e também membro da Comissão Organizadora do 5.º Congresso dos Jornalistas, a realizar em meados de janeiro, questiona a pertinência de alguns órgãos se designarem de "meios nacionais".

"Há uma questão que se levanta: será que podemos continuar a falar em meios nacionais? É que quando vamos assistindo, ano após ano, a despedimentos de jornalistas, e que no passado estes mesmos meios prescindiram das delegações regionais que tinham nas capitais de distrito, que algumas delas ainda mantêm os correspondentes fora dos grandes centros, mas que estes trabalham em situação precária, será que podemos continuar a falar em meios nacionais?", desafia o investigador, insistindo na problemática.

"Será que podemos hoje dizer que esses meios que se assumem como nacionais, conseguem fazer cobertura jornalística de todo o território? E se juntarmos a este quadro, o estudo dos desertos de notícias que apontava que 25% dos concelhos em Portugal não tinha qualquer órgão de comunicação, e que mais de 50% estão em algum nível de risco, que se podem tornar num deserto de notícias, e ainda por cima quando se aproxima o ano de comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Eu pergunto que democracia queremos construir neste cenário? Vêm aí eleições importantes: Legislativas já em março de 2024 e as Autárquicas em 2025. Temos cada vez mais posições extremadas, algo inclusivamente transversal aos partidos políticos. O discurso de ódio cresce", nota.

Menos jornalistas não pode rimar com melhor jornalismo

O investigador da UBI, Pedro Jerónimo conclui, que perante o contexto de eleições à porta, o país precisa debater urgentemente as problemáticas que afetam um dos pilares da democracia.

“Será que é possível fazer mais e melhor jornalismo com menos jornalistas ou mesmo nenhum? Não me parece que seja possível”, refere o membro da Comissão Organizadora do 5.º Congresso dos Jornalistas, sublinhando ainda assim algumas réstias de esperança.

“Há alguns casos de jornalistas que trabalharam em meios nacionais e cansados do ritmo frenético das agendas, estão a lançar meios regionais, digitais, que permitem fazer jornalismo com tempo e com profundidade”, explica.

"Jornalismo Sempre" é o lema do congresso, recuperando os valores de Abril, mas também de olhos postos nas eleições Legislativas, nas Europeias e em 2025, nas Autárquicas.

"São sempre alturas em que há muita propaganda e desinformação, são sempre alturas em que o jornalismo ainda é mais importante, para ouvir as partes, para contextualizar, para que as pessoas tomem decisões, informadas", valoriza Pedro Jerónimo.

"Há uma grande questão que se levanta e me incomoda", afirma ainda o investigador, analisando o caso Global Media: "São 150 pessoas que pretendem despedir, maioritariamente jornalistas. De repente está “tudo” preocupado com o cenário. Atenção: é de facto para se estar preocupado! Porém, não posso deixar de pensar nos ‘desertos de notícias’. Quero dizer, há muito mais vida e país para além dos grandes centros e dos meios que assumem como sendo de dimensão nacional".

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