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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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O disparate é livre

05 fev, 2018 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Combater através de proibições legais certas opiniões absurdas é contraproducente.

Na semana passada, o senado da Polónia aprovou uma lei para “defender a imagem do país”; o diploma prevê três anos de prisão ou o pagamento de uma multa a quem utilizar a expressão "campos da morte polacos" para denominar os campos de concentração instalados no país pelo regime nazi durante a II Guerra Mundial.

As mesmas sentenças estão previstas para quem acusar a Polónia de cumplicidade com o Holocausto. Parece que trabalhos académicos e artísticos (romances?) ficam de fora desta lei, o que é uma pequena concessão ao bom senso no quadro de um erro maior.

Israel protestou, acusando a Polónia de querer reescrever a história. Com alguma razão, pois é sabido que houve polacos que colaboraram com os nazis alemães na perseguição e no assassinato de judeus. Assim como outros polacos colaboraram com os alegados “libertadores” soviéticos, que em 1940, na floresta de Katyn, liquidaram a nata do exército da Polónia.

Mas em Israel, bem como em vários países europeus (Alemanha, Áustria, República Checa, Polónia, França, Roménia, Lituânia, Eslováquia, Suíça), vigoram leis que criminalizam a negação do Holocausto. Essa negação é uma óbvia tontice, mas na democracia há o direito ao disparate.

Por isso não deveriam existir impedimentos legais a que se exprimam ideias e opiniões, por mais absurdas que elas sejam. Outra coisa, naturalmente, serão incitamentos ao ódio, à violência, ao racismo, ou insultos, calúnias, etc.

Percebe-se que os governantes polacos sintam que o seu país é injustiçado sempre que se fala em campos da morte polacos – eram campos alemães, nazis, ainda que contando por vezes com alguns colaboradores polacos.

Mas, então, cabe às autoridades da Polónia continuar a promover campanhas nacionais e internacionais explicando às novas gerações que se tratava de campos da morte alemães.

Colocar o Estado e o seu poder coercivo a defenderem uma qualquer ortodoxia histórica, científica, estética, ou outra, é contraproducente, além de limitar a liberdade de expressão. Em países não democráticos, como era a União Soviética, o poder político fazia a história. Por isso Estaline mandava apagar das fotografias a imagem de antigos colaboradores seus que entretanto havia mandado eliminar fisicamente.

A democracia tem outras regras. Ela implica concordar em discordar. São toleráveis ideias aberrantes, que devem ser combatidas pelo debate no espaço público. Incluindo ideias anticientíficas, como a negação das alterações climáticas e do aquecimento global. E já estivemos mais longe de alguns estados americanos proibirem o ensino da teoria da evolução de Darwin.

Ao invés, criminalizar a descrença na evolução das espécies ou a recusa de vacinar crianças só em casos muito excecionais será democraticamente aceitável.

Comentários
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  • António Costa
    05 fev, 2018 Cacém 19:25
    O problema é que se passou do proibir a informação para uma forma muito mais eficiente de Mentira. A informação "a passar" é repetida milhares de vezes. O cidadão comum não é um especialista em História ou Politica Mundial. No escasso tempo que dedica ás noticias, apanha apenas com uma enxurrada de "informação da moda". Hoje quem tem poder económico ($$$$) publica e controla o que o cidadão vê e ouve. Para perceber e entender o que se passa e passou no mundo é preciso TEMPO. E poucas gastam TEMPO a entender. É mais fácil repetir slogans.
  • César Faúlha
    05 fev, 2018 Lisboa 17:55
    Pois é, como se vê por estas "crónicas"