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Vale a pena gastar mais em Defesa Nacional?

27 mar, 2023 - 16:01 • Miguel Gouveia

É necessário enfrentar o facto de o mundo se estar a tornar cada vez mais perigoso, com o aumento das ameaças à nossa segurança. Precisamos de investir mais nas Forças Armadas. No entanto, quando existem tantas necessidades, como a saúde, a habitação e a educação, é legítimo questionarmo-nos se o dinheiro adicional a atribuir à defesa será bem utilizado.

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Um facto interessante nas relações internacionais é que países democráticos não entram em guerra uns com os outros. Se o mundo inteiro fosse democrático continuariam a ocorrer contenciosos, mas seriam resolvidos por diplomacia e negociação. Infelizmente, o mundo mudou na direção oposta: nos últimos anos, vários países têm deixado de ser democráticos e os países com regimes autocráticos têm vindo a endurecer. Uma consequência deste retrocesso foi o crescimento da propensão para utilizar a violência e recorrer à guerra. Esta tendência afeta todo o mundo e Portugal não está a salvo.

Apesar de precisarmos de estar preparados para lidar com este ambiente hostil, tanto os governos quanto a população têm negligenciado as necessidades de defesa. A invasão russa à Ucrânia é noticiada diariamente pelos meios de comunicação, mas a maioria dos portugueses parece estar pouco disposta a pagar mais para ter Forças Armadas melhores. Numa sondagem do European Council on Foreign Relations, realizada alguns meses após o início da invasão da Ucrânia e conduzida em 10 países europeus, os italianos e os portugueses foram os que mais se opuseram a aumentar os gastos com defesa. Em Portugal, 45% dos inquiridos eram contra o aumento, 34% não tinham opinião e apenas 21% eram a favor, apesar de mais de 80% culparem diretamente a Rússia pela agressão.

Muitos portugueses pensam que são imunes à degradação nos níveis de segurança internacional por estarem longe das áreas em conflito. Estão errados. Esperemos que não haja um evento traumático que faça o país arrepender-se, mas a falta de previdência aumenta o risco.

O país confronta-se com problemas graves e parece estar cada vez menos capaz de os enfrentar. Portugal é um país membro da União Europeia e da NATO, pelo que necessita de Forças Armadas que possam contribuir para as iniciativas de defesa e manutenção de paz dessas organizações. Além dos riscos globais, as ameaças incluem o terrorismo internacional; os ciberataques que podem ter como alvo infraestruturas críticas ou dados confidenciais de instituições nacionais ou, como já aconteceu, da própria NATO; o tráfico de drogas e de seres humanos, já que Portugal é um país de trânsito para a Europa. Além de lidar com o tráfico ilegal Portugal precisa de proteger as suas zonas de pesca, as sua rotas comerciais marítimas, os cabos submarinos e prevenir a emersão de riscos de pirataria, um fenómeno em crescimento em partes da costa africana.

Mesmo que haja um novo consenso sobre a necessidade de reforçar a defesa, põe-se a questão de saber se o dinheiro será bem gasto. De acordo com o Eurostat, em 2021 Portugal gastou 0,8% do PIB em defesa nacional, abaixo da média de 1,3% dos países da União Europeia e muito abaixo do compromisso de 2% assumido em 2014 pelos países da NATO. Vale a pena reforçar a fração do PIB dedicada à defesa? Ou será um desperdício de recursos?

As notícias sobre a funcionalidade das forças armadas portuguesas têm sido mistas. Por um lado, há exemplos de participações louváveis em missões internacionais. Por outro lado, há más notícias, desde o roubo de armas em Tancos, passando pelo caso de indisciplina na tripulação do navio Mondego, até ao surgimento de notícias envergonhadas sobre o estado inoperacional de muitos equipamentos militares como os tanques Leopard, vasos de guerra, submarinos, caças, helicópteros, stocks de munições, e com as bases militares “a cair aos pedaços” (notícia no DN).

Numa perspetiva económica, estes casos são sintomas de má gestão de recursos e de sufoco de meios. A má gestão vê-se sobretudo na composição das despesas. Não é fácil medir a eficiência das Forças Armadas, mas há pistas que indiciam problemas estruturais. Um indicador interessante é a proporção de oficiais nos efetivos. Os dados disponíveis para os EUA dizem-nos que a proporção de oficiais no conjunto dos vários ramos das Forças Armadas foi 18% em 2021. Essa proporção era 19% no Reino Unido e 16,3% em França. Em Portugal os meios de comunicação social têm reportado proporções de oficiais de 24% no Exército, de 25% na Marinha e de 32% na Força Aérea, valores que não só estão muito acima dos comparadores internacionais como se estão a agravar com o tempo. As Forças Armadas portuguesas têm mais chefes que soldados já que oficiais e sargentos constituem 59% dos efetivos. As chefias reclamam ter um défice de 6 mil praças que não conseguem contratar e pagar. Mas fica também a hipótese de que uma gestão corporativa dos (poucos) recursos disponíveis tenha sido feita à custa de uma composição mais racional dos efetivos e da eficácia das próprias Forças Armadas.

Infelizmente, há outros problemas. Como qualquer atividade, a defesa exige trabalho e exige capital. O capital assume a forma de infraestruturas, armas, stocks de munições, telecomunicações, sistemas de artilharia e defesa aérea, carros de combate, aviões, navios, sistemas de informação, etc... O capital deprecia-se e é preciso fazer a sua manutenção. O capital fica obsoleto e é preciso renová-lo. O progresso tecnológico na defesa, como noutras áreas, aumenta a intensidade capitalística. Todos os anos há inovações como robots, inteligência artificial, etc. que aumentam as necessidades de capital. O problema é que em Portugal as Forças Armadas reagem à falta de dinheiro não tratando da obsolescência, não implementando inovação tecnológica e, em casos extremos, nem sequer fazendo manutenção do capital existente. De acordo com a NATO, em 2022 o país membro médio gastou 27,3% das despesas de defesa em equipamentos e 4,3% em infraestruturas. Em Portugal esses valores foram apenas de 17,9% nos equipamentos e de 0,06% nas infraestruturas.

Os problemas não se devem só aos poucos recursos, mas também a uma má gestão dos recursos existentes. As Forças Armadas têm muitas fragilidades e, para nossa segurança, este estado de coisas tem de mudar. Mas só valerá a pena gastar mais dinheiro com a defesa quando houver uma melhoria substancial na forma como os recursos são usados.


Miguel Gouveia é professor associado na Católica Lisbon Business School & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics

Comentários
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  • Cidadao
    27 mar, 2023 Lisboa 17:01
    Em poucas palavras, disse tudo o que há a dizer. Infelizmente, e tal como outros avisos de gente competente e profissional, por cá só se convencerão, no dia em que o País for atacado. E aí, pode ser tarde para recuperar...

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