​Preparados para o pior, mas à espera do melhor em São Jorge

​Preparados para o pior, mas à espera do melhor em São Jorge

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05 abr, 2022 - 06:10 • João Cunha enviado aos Açores

Desde dia 19 de março que a terra não para de tremer na ilha de São Jorge, nos Açores. Já se registaram perto de 30 mil sismos e, destes, pouco mais de 200 foram sentidos pela população. A maioria ocorre no sistema vulcânico fissural das Manadas, que se estende até à Fajã do Ouvidor, na costa norte da Ilha. É o triplo de todos os abalos sentidos o ano passado em toda a região autónoma. A população vive em sobressalto. A catástrofe até pode não acontecer, mas a vida dos jorgenses já foi abalada pelos sismos e pela incerteza diária.

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Mónica Barbosa está ao telefone, à porta de uma casa, numa zona conhecida como o Farol, na freguesia do Topo. De fato e de treino e sapatilhas, porque ao sábado gosta de andar mais confortável. Ali sente-se segura, não fosse aquela a zona mais oriental da ilha de São Jorge. A mais longe possível dos tremores de terra que não param de se fazer sentir.

Velas fica a 50 quilómetros de distância, por carro. 45 minutos de viagem, por uma estrada que na maior parte das vezes, é engolida pelo nevoeiro e a neblina.

Emprestaram-lhe um segundo andar de uma casa onde vive com o marido e dois filhos, com uma cunhada e um sobrinho. Foi o que se arranjou, para evitar o constante sobressalto na Fajã de Santo Amaro, junto ao aeroporto, onde todos residem. Tem colchões e cobertores para todos, que “ajeitam” todas as noites no espaço disponível.

“Tenho filhos pequenos e devido à situação em que nos encontramos e devido ao mau tempo, achámos por bem deslocarmo-nos para aqui”, diz, com semblante carregado.

Ontem trabalhou normalmente. Os filhos ficaram com familiares no Topo, onde vai passar o fim de semana. Uma estadia forçada apenas interrompida pela necessidade de ir alimentar os animais.

“Se eventualmente acontecer alguma situação mais grave, vou recolher os meus animais e refugiar-me no Topo”, admite, esperando que até segunda-feira a situação melhore. Porque “a gente tem de fazer a nossa vida”.

Mónica é da Terceira e o marido do Pico, para onde pode ir quando quiser. Mas tem o trabalho e a rotina dos filhos, com a escola. Por isso, para já, não pretende abandonar São Jorge.

Porque, refere, a crise sismo-vulcânica “pode demorar meses ou semanas, ou pode até não acontecer nada”. Mas se eventualmente acontecer alguma coisa, tem uma solução.

No centro da vila do Topo, Sandy Ramos está de sacos de compras na mão, ao sair do minimercado local. Pousa-os no carro e vai acompanhar, por breves instantes, os trabalhos em curso de construção de um pequeno “hostel” de que é proprietária. Os pais vivem em Manadas, próximo do aeroporto. Admite ter ficado preocupada aquando do início desta crise sismo-vulcânica.

“É a nossa família, queremo-la sempre num lugar seguro”.

Por isso, não hesitou em pedir aos pais para, em vez de passarem o fim de semana, como era habitual, ficarem o tempo que fosse necessário, até tudo normalizar.

“Outras pessoas já não têm, esta vantagem”, lembra Sandy. Há quem durma dentro do carro, por falta de alojamento no Topo.

Espera que tudo não passe de um susto que passe rapidamente. E até que assim seja, deixa um convite aos habituais residentes no concelho de Velas que agora se mudaram para aquela zona da ilha: amanhã é domingo, há missa. “Venham á nossa igreja, que é bonita. E rezem, porque é a única coisa que nos resta”.

Plano de emergência obriga à deslocação de equipamentos e equipas

Na Calheta, parecem ter ouvido o apelo. Meio-dia e a população ali residente, em permanência ou temporariamente, acompanha a missa na Igreja da vila. No altar está o Padre Manuel Santos, que também é responsável pela Santa Casa da Misericórdia, que com a Cáritas Diocesana, tem apoiado muitas mais pessoas que o habitual.

“Não sei calcular, mas deve ter mais do que duplicado”.

Parte dos beneficiários desta ajuda são os idosos institucionalizados. Em relação a estes, preocupa-o o facto de os seus cuidadores começarem a mostrar sinais de cansaço, “porque chegam a fazer turnos de 18 horas”. Nota-se por isso o cansaço.

Já de paramentos, o Padre Manuel Santos celebra missa. E há quem se emocione, face às privações dos últimos dias: deixaram tudo do lado de lá da ilha, e não sabem quando voltam.

Em Velas, já o plano municipal de emergência tinha sido ativado, assim como o Plano de Prevenção Regional, que obrigou à deslocação de equipamentos e equipas de socorro para São Jorge.

A primeira decisão foi deslocar os doentes internados e os que tivessem mobilidade afetada do Centro de Saúde de Velas para a Calheta. Bem como os idosos institucionalizados, que foram ocupar as instalações da Pousada da Juventude, na Calheta... Os habitantes das fajãs também foram obrigados a sair de casa, num fim de semana, mas por causa de um temporal, que provocou, como na fajã dos Cubres, um deslize de terras.

Clélio Meneses, o Secretário Regional da Saúde, que tem a responsabilidade da Proteção Civil, dava conta de outros preparativos ao Presidente da República, que esteve algumas horas na ilha, a inteirar-se da situação.

“Temos 1366 camas”, instaladas em pavilhões de escolas e em sociedades recreativas, “que estão prontas a ser utilizadas em caso de catástrofe. Para que os açorianos não sofram o que outros já sofreram ao longo de séculos.

Na curta visita a São Jorge, Marcelo Rebelo de Sousa - que prometeu voltar dia 14 de abril, para dar outro sinal de confiança e jantar com os donos do Café São João, em Velas, que lhe fizeram o convite - acompanhou os preparativos em curso, que preveem, em último caso, a evacuação de toda a ilha.

José Manuel Bolieiro, o Presidente do Governo Regional, tentava tranquilizar a população, referindo que “para já, a situação não é a mesma em caso de necessidade de evacuação oficializada e determinada pela Proteção Civil regional.

As Forças Armadas também participam nos preparativos para o pior, se acontecer. Duas semanas depois do início da crise sismo vulcânica, o Major do Exército Rudolfo Romeiro referia que estava concluída a primeira fase da missão.

Finda a visita à ilha, o Presidente da República confessava o que o tinha mais marcado, em menos de quatro horas no terreno. “A solidariedade. Espetacular. Segundo, encontrei um rigor, uma preocupação de estudar tudo, de conhecer tudo para poder informar. Terceiro, a verdade na informação. E finalmente, aquilo que foi tomado como medidas para vários cenários”.

Há vários cenários possíveis

Primeiro, pode não acontecer nada, ainda que esta possibilidade não seja a mais provável para os jorgenses. Pode ocorrer um sismo de grande intensidade, com epicentro em terra ou no mar, com impacto direto sobre as infraestruturas. E pode dar-se um de três possíveis cenários

eruptivos: uma erupção submarina, a elevada profundidade e sem consequências, uma erupção próxima de Velas, como a verificada nos Capelinhos, e uma terceira, ou uma erupção em terra, onde se concentra a maior sismicidade, que daria uma erupção próxima à verificada na Ilha espanhola de La Palma.

Mas seja em que cenário for, os sinos das igrejas, a tocar a repique, serão um dos meios de alerta para avisar a população, em caso de necessidade. De resto, na igreja matriz de Velas está um cabo, preso ao badalo do sino da igreja, de forma que, qualquer um, possa dar o alarme a partir da rua.

A catástrofe até pode não acontecer, mas a vida dos jorgenses já foi abalada pelos sismos e sobretudo pela incerteza sobre o poderá acontecer.

Prova disso, e apesar de não existir nenhuma declaração de evacuação, muito mais de metade dos residentes em Velas rumaram à outra ponta de São Jorge, onde quase nada se sente, ou até a outras ilhas açorianas, para casa de familiares ou amigos. Os barcos de ligação a outras ilhas foram prova disso: nos primeiros dias, chegavam quase vazios e partiam repletos de passageiros,

Os que ficaramm, com os filhos, são na maioria funcionários públicos como Carla Teixeira, uma das cozinheiras da cantina da Escola Básica e Secundária de Velas. Tem vivido ansiosa, porque está sempre alerta, à espera de alguma coisa. E é essa incerteza que a leva a passar a noite à Ribeira Seca.

A atividade letiva está suspensa, mas a escola acolhe as crianças que ainda estão por Velas. São filhas de bombeiros, policias, funcionários da autarquia ou de quem simplesmente optou por não sair.

“Num universo de 485 alunos, neste momento estamos com 11 crianças”, avançava Vitor Bernardes, o presidente do Conselho Executivo.

“Não sabemos ainda quando retomaremos a atividade letiva, mas eu penso - e sou eu, porque só a tutela o pode dizer – que como íamos para a interrupção letiva da Páscoa, só deveremos retomar a componente letiva dia 19 de abril”.

Qual normalidade?

A maioria dos alunos de Velas estão na Calheta ou no Topo, bem como noutras localidades de São Jorge e até em ilhas vizinhas. E alguns foram solicitar às escolas que os acolhessem. Saber se podiam assistir às aulas junto com os colegas dos anos a que pertencem.

O problema são os possíveis efeitos que a interrupção letiva terá dos alunos do 11º e 12º ano, que têm exames nacionais de acesso à Universidade.

Entretanto, a escola está a libertar espaço que será ocupado nos próximos dias por alguns serviços do Centro de Saúde de Velas, que ocupa um edifício antigo, que se encontra em obras de recuperação.

Todo o equipamento que suporta o serviço de urgência e todo aquele equipamento de apoio às consultas programadas foi transferido. Para, como indicou Francisco Fonseca, presidente da Unidade de Saúde da Ilha de São Jorge, “trazer alguma normalidade a essas atividades de saúde”.

Normalidade é um termo que dificilmente pode ser aplicado à situação vivida em São Jorge. Muito pelo contrário.

O arquipélago, e sobretudo as ilhas mais a ocidente, estão próximo da zona de fronteira entre as placas Eurasiática, Africana e Norte Americana, onde ocorre a fricção ou subdução dessas mesmas placas, dando origem a sismos. Mas também está sujeito ao vulcanismo que ocorre na região.

De resto, a história dos Açores, desde a colonização na primeira metade do século XV até agora é marcada pelos sismos, principalmente os de forte magnitude...

Desde o século XV houve 33 sismos que tiveram grande impacto nas ilhas dos Açores, provocando cerca de 6.300 mortos e a destruição em algumas ilhas do Arquipélago, sobretudo em S. Miguel, Terceira, Graciosa, Faial, Pico e São Jorge.

A história do arquipélago prossegue...

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