O que têm as caixas colocadas atrás da porta? Perguntamos. “Aquilo é para amanhã à noite, são saquinhos de 100 gramas de amêndoas, 70 quilos no total”, mostra o padre Adelino Lourenço.

O sacerdote, de 82 anos, está ocupado, frente à secretária a “preparar os dias festivos” que se aproximam. É padre há 60 anos e há 50 que é pároco de Idanha-a-Nova, uma vila com cerca de dois mil habitantes, tendo hoje a responsabilidade de cinco paróquias: Oledo, Idanha, Alcafozes, Idanha-a-Velha e Monsanto.

“Tenho às 18h00 a celebração da Paixão, às 20h00 a procissão do Enterro do Senhor e, depois, tomo um copo de leite, dois bolos e ainda vou a Monsanto fazer as celebrações da Sexta-feira Santa. Regressarei às 23h00 e tal”, explica sobre a rotina dos dias.

"Estou aqui há 50 anos e Alcafozes, na altura, em 1976, tinha 600 habitantes, hoje tem 150”, lamenta.

Os dias que antecedem o Domingo de Páscoa são vividos de forma intensa, cheios de tradições, mas há uma, que é a "menina dos olhos" do padre Adelino ou não tivesse sido ele a implementá-la há meio século, quando ali chegou pela primeira vez.

“Amanhã à noite, depois do 'Aleluia', vou atirar amêndoas, aqui desta porta onde vivo, eu é que comecei isto aqui, porque na minha terra, em Escalos de Baixo. Síamos a cantar "Aleluia" e íamos às casas ricas pedir as amêndoas, com um saquinho de pano. Deitavam as amêndoas para o chão e nós apanhávamos. Há uma vivencia popular de tudo isto e, quanto cheguei aqui, no primeiro ano, deitei 30 quilos de amêndoa”, recorda, salientando que se trata de uma recordação de infância que quis manter viva.

“Foi este nosso padre que fez isto, só na Idanha mesmo”

É preciso saltar para apanhar as amêndoas que são lançadas da porta da casa onde vive o padre Adelino Lourenço, frente à Igreja Matriz.

Depois de dois anos sem cumprir o ritual, por causa da pandemia, o saudosismo fala mais alto. “Cheguei aqui e cá estou. Esta vila tem características muito próprias, além da liturgia, tem uma vivência especial”, observa o sacerdote, contando que, desta vez, vão ser lançados 70 quilos de amêndoas doces, num gesto maior do que qualquer palavra.

“É um espetáculo lindo de ver. Fica o adro cheio de gente e é tudo a saltar, tudo a apanhar, é uma imagem da pureza e da infantilidade das pessoas, é tão espontâneo, vêm os avós com os netos e apanham uns e outros não. No final, eu dou a quem não apanhou. Parece uma coisa de crianças. Já viu, neste tempo de materialismo e de guerra, um povo assim inteiro ter esta alegria assim?”, questiona, comovido.

Antes das amêndoas, este sábado à noite, ainda vão ser escutados apitos, ruidosos, em sinal de alegria pela Ressurreição de Cristo, o "Aleluia". “Primeiro, às nove horas da noite, levamos apitos para a Igreja (garotos e adultos) e saúda-se a Ressurreição do Senhor. As mulheres levam os adufes e tocam em alegria. Quem vem de fora, com uma sensibilidade de silêncio, não está habituado”, conclui, a sorrir o padre Adelino Lourenço.

A poucos metros, a vendedora Paula Pardal, 42 anos, natural de Idanha-a-Nova, aproveita o momento para o negócio. “Acho giro e engraçado, estamos a trabalhar, a vender gelados, algodão doce e pipocas, para quem não conseguir apanhar amêndoas pode comprar doces aqui” graceja. Etelvira Peraboa, 83 anos, elogia a iniciativa do sacerdote. “Foi este nosso padre que fez isto, só na Idanha mesmo, é muito bonito, muita festa, toca o sino, tocam os apitos”, retrata.