O trabalho da maestrina Joana Carneiro entrelaça-se, muitas vezes, com oração. “Estamos em contacto com Deus, às vezes pedindo e agradecendo, através do que fazemos”, disse no âmbito das conversas ‘E Deus Nisso Tudo’, conduzidas semanalmente por Maria João Avillez, na igreja do Campo Grande, em Lisboa.

“Dirigir uma orquestra é participar num lugar de beleza”, constatou. Ao longo da história, muitos compositores viram na música uma forma de chegar a Deus. “A minha função é recriar essa ligação divina”, afirmou.

“Sempre rezei muito. A vida de um músico pode ser qualquer coisa que nos galvaniza ou nos faz cair rapidamente. Ter uma família muito bem estruturada e ter uma fé com a qual temos uma relação continua – e não esporádica - faz com que mantenhamos uma sanidade e uma relação saudável com o que fazemos, ligada àquilo que é essencial”. E revelou: “Quando estou muito preocupada ou rezo ou olho para as fotografias da minha família”.

A música sempre fez parte da vida da maestrina. A filha de Roberto Carneiro, antigo ministro da educação, e de Maria do Rosário Carneiro aprendeu a tocar viola de arco ainda menina – cada um dos oito tocava um instrumento. Eram frequentes os momentos musicais em família, fosse no Natal ou nas festas de aniversário. “Os meus pais acreditavam que era muito importante que os seus [nove] filhos desenvolvessem a imaginação e as competências sociais e pessoais através das artes. Por isso todos os meus irmãos fizeram o curso do conservatório.”

“Crescemos juntos num meio muito alegre e com muito amor”, recorda. E cita Fernando Castro, fundador da Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, para falar sobre o ambiente em que foi criada. “Ele dizia que o melhor presente que os pais podem dar aos filhos são os irmãos. Os meus são os meus melhores amigos”.

Em casa rezavam juntos antes das refeições, contou. “Esta continuidade na oração foi muito importante e estruturante na minha vida”, diz Joana Carneiro, sublinhando que “a fé é indissociável de todas as características que possa ter”.

Da Medicina às orquestras norte-americanas

Aos 18 anos, na altura em que estudava Medicina, dirigiu pela primeira vez uma orquestra. “A música acabou por vencer. Quando dirigi aquela orquestra – era a 1ª sinfonia de Beethoven –, tive a certeza de que não era só um sonho, que podia ser realidade”.

Iniciou a carreira nos Estados Unidos. “Estava a estudar em Michigan e abriram um concurso para maestro titular de uma orquestra de jovens, em Los Angeles. Mandei o currículo, fui chamada e escolheram-me”. Depois disso, foi maestrina assistente da filarmónica de Los Angeles e diretora musical da sinfonia de Berkeley.

“Deus esteve sempre presente. Quando fui para os Estados Unidos, em 1998, sendo tão ligada à minha família custou-me muito. Ia todos os dias à missa – encontrei ali um espaço de oração muito importante. A música era muito inspiradora: parecia que estava sempre num filme da Disney.”

Mãe de trigémeos, com dois anos, e de outro bebé, de apenas um, Joana Carneiro acabou por revelar que “foi muito difícil ser mãe”. “Perdemos muitos bebés”, contou. “Eu perguntava ao meu marido: ‘Porque é que isto nos acontece? Nós fazemos o bem….”; e ele respondia: ‘Tu acreditas em Deus ou não?’; ‘sim’; ‘então espera’.

Durante algum tempo, e depois de ter tido o quarto bebé, ponderou fazer uma pausa mais prolongada na carreira porque não saberia se conseguiria ser “mãe de quatro filhos tão pequenos”, “mulher do marido”, “estar com os pais, os irmãos e os amigos”. O incentivo da família fê-la continuar.

“A discriminação das mulheres existe, mas a discriminação das mães acho que é ainda maior. Eu nunca me senti discriminada como mulher, mas como mãe já”, afirmou, sublinhando o papel da família. E conclui: “A vida que tenho hoje é a prova de que Deus existe”.

Na próxima semana, Maria João Avillez receberá António Filipe Pimentel, director do Museu Nacional de Arte Antiga, no dia 29, véspera do seu último dia em funções.