Tinta, pinceis e muito cuidado para não danificar o património. Os últimos dias de trabalho de Rita Laranjo e da sua equipa têm sido de entusiasmo e muita azáfama para que no concelho de Estremoz possa estar tudo pronto para começar a receber os peregrinos dos Caminhos de Santiago.

“No centro histórico, a marcação é provisória com umas setas pintadas a amarelo”, explica à Renascença a arqueóloga da câmara municipal de Estremoz. “A nossa ideia é colocar, no futuro, umas placas em mármore da região, com a concha ou vieira e indicação do caminho que devem seguir”, adianta.

Para chegar aqui foi feito todo um trabalho de pesquisa para recuperar parte da história deste caminho há muito esquecido, e que agora é devolvido às populações.

Por várias razões “o nosso caminho não segue as rotas originais, da época medieval, mas temos um percurso por campo, por terra batida, em que o peregrino pode ir de forma segura e desfrutar da paisagem”, assegura Rita Laranjo.

Mas Estremoz é apenas um dos concelhos a integrar este projeto. Há vários anos que em Portugal a Associação Peregrinos Via Lusitana procura reestabelecer o Caminho de Santiago, designadamente o chamado percurso “Via Portugal Nascente”, com origem no Algarve (Tavira) até Trancoso, no distrito da Guarda. O projeto avança com o apoio do Turismo de Portugal e todos os municípios e dioceses envolvidas. A primeira fase, que reconstrói esta “Via Portugal Nascente”, liga Évora a Trancoso, ao longo de 19 etapas e numa distância de 390 quilómetros.

“O objetivo é chegar a Santiago de Compostela pelo interior do país”, num percurso que se baseia “no trabalho de arqueológos e que tenta seguir o mais possível as vias romanas”, explica à Renascença, João Melo.

O responsável pela Associação Peregrinos Via Lusitana refere que o projeto está dividido em duas fases, “a primeira que liga Évora a Trancoso” e segunda fase que “esperamos esteja concluída no final do ano e que vai fazer a ligação de Tavira a Évora”.


Caminho português a crescer

Com inúmeras vontades e parcerias, concretiza-se um plano há muito pensado e desejado, numa altura em que cresce o número de peregrinos de muitas nacionalidades que percorrem, a pé, os Caminhos de Santiago até à Catedral de Compostela.

“O Caminho português está a crescer”, reconhece João Melo que defende a melhoria da qualidade dos caminhos portugueses. “Há muitas zonas onde existe um excesso de alcatrão, um excesso de carros, com zonas perigosas e há que dignificar essas zonas que precisam de melhoramento”, acrescenta.

Para chegar a esta fase, foi imprescindível a colaboração do museu municipal de Estremoz que desenvolveu um trabalho de investigação e de estudo de alternativas no terreno. O resultado é um trajeto marcado quase sempre por caminhos de campo, onde o contacto com a natureza convida à descoberta do lado espiritual da pessoa.

“Temos aqui um espaço de silêncio onde a espiritualidade se conjuga com a natureza”, certifica à Renascença, Hugo Guerreiro, responsável do museu municipal e que esteve na linha da frente da candidatura dos afamados Bonecos de Estremoz a Património da Humanidade.

“Mais do que uma perspetiva religiosa, católica, há muita gente que faz o caminho apenas com motivações espirituais, para se encontrar consigo mesma”, lembra.

Uma mais-valia para os peregrinos, mas também para os sítios e respetivas comunidades que vão conhecer uma nova vivência. “Vai ser um contacto cultural bastante interessante e enriquecedor”, acredita Hugo Guerreiro, tendo em conta que “o território do interior está ávido de pessoas que fiquem e apreciem ver e conhecer”.

Esta sexta-feira é apresentada a primeira fase do projeto, com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Segue-se, na Catedral eborense, a bênção dos peregrinos pelo arcebispo de Évora, D. José Alves. Um grupo de peregrinos vai transportar uma réplica do bordão de Santa Isabel, até Trancoso, ao longo das etapas do caminho. O bordão, executado pelo artesão Perfeito Neves (Estremoz), vai passar de mão em mão, nos diferentes locais de passagem, até chegar a Trancoso, o que deve acontecer a 20 de maio.