Sozinho, de olhos postos no telemóvel, percorre os claustros do Colégio do Espírito Santo, até ser interrompido pela reportagem da Renascença. Mauro Soares, aluno do 1º ano da licenciatura em Turismo, estreia-se na Universidade de Évora num ano insólito. Sabe que não vai ter praxes, mas “já estava à espera que fosse assim”. Nada que o demova de procurar integrar-se dentro do que é possível.

“Às vezes, juntamo-nos pela internet ou mesmo na universidade, combinamos um cafezinho com o devido distanciamento, usamos a máscara, mas sempre dá para irmos falando e conhecendo as pessoas da turma”, conta-nos.

“Aqui não há festas e está tudo muito controlado”, afiança o jovem de 20 anos, natural de Vendas Novas, quando a pergunta recai sobre a eventual responsabilidade dos jovens no crescimento da pandemia.

Para Mauro Soares, “não são só os alunos os responsáveis, mas todas as pessoas que se juntam, e não cumprem as regras, nomeadamente o distanciamento”.

Opinião semelhante tem Carlos Crisóstomo, aluno do 3º ano da licenciatura em História, mas mais avançado nos estudos.

“Tem-se passado a ideia de que os jovens é que são os principais responsáveis pelo aumento dos surtos, mas eu discordo dessa narrativa”, afirma. “Se nalguns casos, é verdade, noutros nem por isso e estamos a extrapolar para uma visão muito simplista, pois a responsabilidade é de todos”, argumenta.

Carlos admite que, “no caso da universidade de Évora, até pode haver pessoas irresponsáveis”, mas lembra que “também há pessoas com muita noção do que se está a passar e estão a fazer tudo por si e pelos outros.”

Na mesa onde a conversa se desenrola, Beatriz Felício corrobora as palavras do colega. “Concordo com o Carlos, é uma análise muito simplista colocar a culpa nos jovens, ainda que tenhamos a consciência que no contexto académico há sempre o perigo de contágio, mas existe também noutros contextos, como nos transportes públicos, por exemplo. Não somos os únicos responsáveis. Todos têm responsabilidade.”

Com 22 anos, a jovem que frequenta a licenciatura em História e Arqueologia, diz sentir-se segura na academia e elogia o “esforço por parte do pessoal docente, dos funcionários e dos alunos” para que tudo funcione da melhor forma.

“No estado de situação em que nos encontramos, é difícil dizer aquilo que poderia ser feito com maior rigor, pois faltam-nos meios, faltam-nos recursos, mas dentro daquilo que temos, todos tentam fazer o seu melhor”, afirma.

Apesar de tudo, o esforço encontra, muitas vezes, dificuldades difíceis de ultrapassar, como aquelas que estão associadas ao próprio espaço físico. “Há salas onde o acesso à internet é complicado e quem está online, por vezes não consegue acompanhar os colegas que estão em regime presencial”, relata Manuel Canudo, juntando-se à conversa.

A frequentar o 3º ano da licenciatura em História, Manuel confessa que não tem sido nada fácil manter uma “certa normalidade” quando tudo é novo, até para os jovens.

“Évora tem um espírito académico incrível e a pandemia alterou-o. É difícil estarmos a receber jovens de 1.º ano e não podermos integrá-los, tal como nós fomos”, lamenta, para acrescentar que, apesar de tudo, “os alunos estão a enfrentar com competência os novos desafios.”

O jovem estudante é um dos que promove iniciativas de acolhimento e integração, quase todas através da internet, o que lhe dá a possibilidade de contactar com os novos alunos e perceber que muitos necessitam de ajuda a nível psicológico.

“A quantidade de jovens do 1.º ano que nos chegam com problemas de saúde mental, é preocupante. É uma situação que não está a ter impacto nos meios político, social e jornalístico, mas é urgente que seja avaliado”, alerta. “Pode não ser unicamente fruto da pandemia, mas é um catalisador e acelerador da questão”, acrescenta.

A UÉ tem um Linha de Apoio Psicológico e os alunos mais velhos procuram, também, ajudar no que é possível, mas reconhecem que “não é fácil perceber se do outro lado do ecrã está alguém que precise de apoio, o que seria mais fácil se não houvesse esta distância”, observa, Manuel Canudo.

Dia da Universidade cancelado com “tristeza, mas sentido de responsabilidade”

Nos últimos meses, a Universidade de Évora (UÉ) preparou-se para o recomeço num cenário de “novo normal”, adotando um conjunto de medidas no âmbito do seu Plano de Contingência, para, segundo a reitora, Ana Costa Freitas, “oferecer máxima segurança a todos aqueles que optaram pela nossa universidade para passar, estamos certos, os melhores anos das suas vidas.”

Entre as medidas implementadas, destaca-se um pórtico de desinfeção na entrada do Colégio do Espírito Santo, além das que já faziam parte do quotidiano, como o distanciamento físico, o uso de máscara ou a desinfeção das mãos.

Por causa da pandemia, a instituição decidiu também cancelar a cerimónia do Dia da Universidade, que se realizaria no próximo dia 1 de novembro.

Numa nota enviada à Renascença, a academia alentejana justifica a decisão com a Resolução do Conselho de Ministros nº 88-A/2020, no âmbito da qual “ficam proibidos nos estabelecimentos de ensino superior todos os festejos, bem como atividades de natureza lúdica e recreativa.”

Alegando “sentido de responsabilidade”, Ana Costa Freitas manifestou “tristeza” pelo facto de ser “cancelado um dos momentos mais relevantes do ano para a academia eborense.”

Este ano, a UÉ disponibilizou 1.253 vagas, distribuídas por 33 cursos de licenciatura e mestrado integrado. Logo na primeira fase, através do Concurso Nacional de Acesso, foram colocados 1.151 novos estudantes, tendo sido preenchidas 92% das vagas.

Já o número de estudantes internacionais admitidos em licenciaturas e mestrados integrados ascende a 354, de 63 nacionalidades diferentes, registando um aumento de mais de 50% relativamente aos matriculados neste ciclo de estudos em 2019/2020, sendo que a totalidade das vagas foi preenchida na segunda fase.

Apesar de este ter sido um ano profundamente atípico, considerando os vários concursos de acesso, a UÉ manteve a tendência de crescimento dos últimos anos, com um incremento do número de novos estudantes na licenciatura e mestrado integrado superior a 15%.

A Universidade de Évora foi a segunda universidade a ser fundada em Portugal. A inauguração solene decorreu no dia 1 de novembro de 1559. Ainda hoje, neste dia, com exceção para o ano em curso, comemora-se o aniversário da instituição, com a cerimónia da abertura solene do ano académico.