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Por agora, em Portugal, e nomeadamente no Hospital de São João, no Porto, as equipas médicas, não havendo escassez de ventiladores face à presente fase da pandemia, não precisaram de decidir ventilar um paciente de covid-19 em detrimento de outro. A garantia é da médica infeciologista Margarida Tavares, que está na linha da frente da resposta à doença covid-19 naquele centro hospitalar.

“Nós, felizmente, não temos tido situações assim. Uma questão é nós acharmos que o doente tinha todas as condições para ser tratado com uma ventilação invasiva, por exemplo. Outra coisa é não termos esse meio disponível para o tratar. Não quero falar sobre essa possibilidade. Mas também, obviamente, teremos que a enfrentar se não tivermos meios suficientes. Também é isso que acontece em muitos outros países. Por agora vamos manter-nos naquilo que é a decisão de se é ou não é o melhor tratamento para o doente”, explica à Renascença Margarida Tavares.

Esta sexta-feira, num parecer a que a Renascença teve acesso, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, entre outras recomendações, alertou que, durante a pandemia de covid-19, deverá caber à equipa médica, e não a um profissional de saúde em particular, tomar decisões de vida ou de morte, nomeadamente “atribuir equipamento de ventilação assistida disponível ou de desligar tal equipamento”.

“As decisões críticas relativas ao uso de ventiladores, pela sua especial sensibilidade e dificuldade de aplicação de critérios clínicos objetivos, poderão, em determinadas circunstâncias, não ser assumidas exclusivamente pelo médico que tem a pessoa doente a seu cargo. A decisão ética poderá beneficiar em ser apoiada por elementos da instituição de saúde que não estejam diretamente envolvidos na prestação de cuidados intensivos, para atenuar os efeitos negativos da pressão sobre os médicos e as equipas, aliviando-os da responsabilidade da decisão individual sobre a ventilação mecânica”, lê-se no parecer.

Margarida Tavares garante que isso já acontece no Hospital de São João, até para situações não relacionadas com a pandemia.

“Isso é a realidade habitual. Obviamente que, e isto é o nosso dia-a-dia, quando há um doente em que se deteriora a sua situação clínica, podemos ponderar se precisa de um nível de cuidados superior para sustentar as suas funções vitais, seja a função respiratória, seja outra. Esta situação põe-se sempre. Nós discutimos entre a equipa responsável pelo tratamento do doente e, depois, discutimos com os colegas que estão responsáveis pelas áreas de nível de cuidados acima. Portanto, com a Covid-19 não é diferente”, explica a médica infeciologista.

A decisão, coletiva, não é, contudo, fácil de tomar. Desde logo porque nem todos os pacientes têm o mesmo nível de tolerância aos cuidados de saúde.

“A ventilação é uma situação muito exigente para o doente, é algo muito invasivo. E nem todos os doentes têm capacidade, ou têm potencialidade, para suportar. E nem sempre essa decisão de escalar cegamente cuidados é a melhor situação o doente. Portanto, tudo isto é avaliado habitualmente dessa forma: em equipa. Nem sempre é fácil essa decisão. É uma decisão, a maior parte das vezes, clínica, é uma opção clínica, naquilo que se pensa ser o tratamento mais adequado para aquele doente específico. Felizmente não temos tido necessidade de equacionar as coisas de outra forma. E não é uma questão de escolher entre quem vive e quem morre; é uma questão de decisão de um grupo de pessoas que querem o melhor para aquele doente”, conclui.