Um terço dos jornalistas trabalha sem qualquer vínculo laboral, uma situação precária e frágil tem tendência para aumentar. Esta é uma das conclusões do maior inquérito feito aos jornalistas, um trabalho desenvolvido por uma equipa de investigadores do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.

Dos profissionais de comunicação social inquiridos, dois terços tinham contratos de trabalho, a maioria sem termo.

Mas há 33,4% que não têm qualquer vínculo laboral e estão, por isso, a trabalhar em condições contratuais precárias e sujeitos a instabilidade e a insegurança.

Miguel Crespo é um dos investigadores deste estudo. Em declarações à Renascença revela que “um terço dos jornalistas está a trabalhar como ‘freelancer’ ou é pago à peça, e é um valor que está a aumentar. Mas, mesmo assim, 70% dos jornalistas têm contrato, sem termo ou a termo certo, sendo que a grande maioria é sem termo”.

O estudo “Os jornalistas são bem pagos? Inquérito às condições laborais dos jornalistas em Portugal” foi desenvolvido pelo ISCTE em parceria com o Sindicato dos Jornalistas e o Observatório da Comunicação.

Entre 1 de Maio e 13 de Junho, 1.600 jornalistas responderam a 78 perguntas, mas apenas 1.491 respostas foram validadas. É o maior inquérito aos jornalistas feito em Portugal.

As conclusões do estudo que vão ser divulgadas no Congresso dos Jornalistas, que decorre em Lisboa, entre os dias 12 e 15 de Janeiro, mostram que há vários factores que afectam o trabalho dos jornalistas, um deles é o medo de perder o emprego.

“Temos quase 37% que dizem que o medo de perder o emprego afecta muito ou totalmente o exercício livre da profissão. Há aqui uma série de condicionalismos que têm a ver com os contratos de trabalho e a situação genérica dos meios de comunicação em Portugal”, refere Miguel Crespo, que adianta que o salário também condiciona o exercício livre da profissão.

Um em cada quatro recebe entre 500 a 800 euros

O estudo indica que a maioria dos jornalistas, 75%, recebe ao fim do mês entre os 500 e os 1.500 euros.

Uma análise mais fina dos dados permite concluir que 25%, um em cada quatro, leva para casa ao fim do mês um salário entre os 500 euros e os 800 euros, abaixo do salário médio em Portugal.

“Mais 25 % está entre os 800 e os mil euros e os restantes entre os mil e os 1.500 euros", refere Miguel Crespo.

O maior inquérito realizado até agora em Portugal mostra que o salário, o medo de ficar desempregado e a precariedade laboral condicionam mais o desempenho livre da profissão do que as pressões externas.

No que toca a factores internos, os jornalistas consideram que a sua autonomia fica afectada em relação as decisões das chefias e das administrações.

Mais de metade dos inquiridos, 52,1%, exerce a profissão há mais de 15 anos.

Quanto ao futuro do jornalismo, os quase 1.600 jornalistas que responderam a este inquérito são optimistas e pessimistas ao mesmo tempo. Miguel Crespo exemplifica: “Os jornalistas são pessimistas em relação ao contexto, onde se incluem as empresas para as quais trabalham, mas são optimistas em relação à sua própria actuação profissional. É uma conclusão positiva, apesar de todos os condicionalismos externos, os jornalistas individualmente, segundo o nosso inquérito parecem acreditar na capacidade de continuar a fazer bom jornalismo".

Mais mulheres e “abandono precoce da profissão”

Este estudo é o mais recente sobre a profissão. O primeiro foi feito em 1987, por José Manuel Paquete de Oliveira, e ao longo de 30 anos muito mudou. Primeiro, um aumento de mulheres, que eram apenas 20% na altura e hoje as redacções têm quase 50% de jornalistas mulheres.

Em segundo, a formação. Os jornalistas têm hoje uma escolaridade superior à média nacional, sendo que 79,6% têm pelo menos uma licenciatura e um bacharelato.

Mas há pelo menos um dado que não sofreu alterações nos últimos 30 anos: a idade dos jornalistas. Têm em média 40 anos e 84,3% estão entre os 25 e os 54 anos de idade. Acima dos 55 anos de idade há apenas 9,1% dos jornalistas a trabalhar.

“É uma profissão que mostra que ao longo destes 30 anos houve um abandono precoce da profissão. Temos que assumir que o jornalismo é uma profissão geracional, e para quem está numa redacção até pode fazer sentido, porque é uma profissão de desgaste rápido” refere Miguel Crespo.

A maioria dos jornalistas (58,9%) é repórter, mas ainda assim é relevante o número que ocupa cargos de direcção ou chefia (22,3%).

Os jornalistas continuam a ter como meio principal de publicação a imprensa, com 46,5%. Em segundo lugar da tabela está o online, com 23,1%. A televisão ocupa 20,3% e a rádio 12,4% dos jornalistas.