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Um terço dos portugueses já sofre de ansiedade ou depressão. Os problemas de saúde mental aumentaram com a crise económica, atingindo 30% da população em 2015, contra menos de 20% em 2008. Estudo nacional revela há mais jovens afectados e mais homens a consumir ansiolíticos.

Trata-se dos resultados preliminares do projecto “Crisis Impact”, que estuda os efeitos da crise económica sobre a saúde mental das populações em Portugal, e que será apresentado esta sexta-feira, durante o Fórum Gulbenkian de Saúde Mental.

O estudo, da autoria de José Caldas de Almeida, presidente do Lisbon Institute of Global Mental Health, baseia-se numa actualização do estudo de 2008-2009, permitindo comparar os dados do início da crise com os do final de 2015.

A conclusão que mais ressalta do estudo é o “aumento significativo da prevalência de problemas de saúde mental durante este período”, evidenciando uma relação estreita com os factores sociais e económicos resultantes da crise.

Segundo os dados preliminares, os problemas de saúde mental passaram de uma prevalência de 19,8% em 2008, para 31,2% em 2015, um aumento que se verificou em todos os níveis de gravidade, mas sobretudo nos casos de maior gravidade.

Mais jovens afectados

Desta vez a crise foi mais longe e houve uma evolução mais acentuada entre os mais jovens (dos 18 aos 34 anos).

Nos problemas ligeiros passou-se de 13,6% para 16,8% (um aumento de três pontos percentuais), nos problemas moderados de 4,4% para 7,6% (3,2 pontos percentuais), e nos problemas mais graves de 1,8% para 6,8% (5 pontos percentuais).

A prevalência de problemas de saúde mental em 2015 foi elevada entre as mulheres, os idosos, os viúvos e separados e as pessoas com baixa escolaridade.

Quanto à relação destes problemas com a crise económica - nomeadamente a diminuição de rendimentos, o desemprego, a privação financeira e a descida de estatuto socioeconómico – o estudo demonstra que estão significativamente associados, revelando igualmente elevados padrões de perturbações depressivas e de ansiedade.

Mais de 40% das pessoas da amostra do estudo reportaram descida de rendimentos desde 2008, cerca de metade por corte de salários e pensões, 14% por desemprego, 6% por mudança de emprego e 5% por reforma.

Os que referem não ter rendimentos suficientes para pagar as suas despesas são quase 40% da amostra e apresentam uma prevalência significativamente mais elevada de problemas de saúde mental do que as que não sentem privação financeira.

A situação agrava-se quanto maior é a privação, sendo especialmente marcada no grupo de pessoas que não conseguem pagar as despesas básicas (comida, electricidade, água) e que têm dívidas. Pelo contrário, a existência de um elevado suporte social e o viver em bairros onde as pessoas se sentem seguras e bem integradas provaram ser factores protectores em relação ao risco de ter problemas de saúde mental.

Homens consomem mais ansiolíticos

No que respeita ao uso de medicamentos, acompanha a tendência crescente da prevalência de problemas mentais, tendo-se verificado uma subida progressiva das percentagens de pessoas que usam psicofármacos, sobretudo antidepressivos e ansiolíticos.

Em valores absolutos, o uso destes medicamentos é muito mais elevado entre as mulheres, mas verificou-se um aumento particularmente elevado no consumo por parte dos homens, especialmente ansiolíticos.

Relativamente aos tratamentos, nos últimos cinco anos 27,9% das pessoas procuraram ajuda, sobretudo junto dos médicos de medicina geral, seguidos dos psiquiatras e psicólogos.

No geral, o sistema de saúde revelou capacidade de resposta, embora com alguns problemas a nível do acesso aos cuidados e sobretudo a nível da continuidade e da qualidade dos cuidados.

Se entre 70% e 80% das pessoas conseguiram ter acesso a cuidados, apenas 40% tiveram acesso aos cuidados adequados, sendo as dificuldades em cobrir os custos e em marcar consultas os principais obstáculos apontados.

Coordenador lamenta suspensão de reforma

O coordenador do estudo sobre o impacto da crise na saúde mental lamentou que Portugal não tenha aproveitado "para fazer as mudanças que devem ser feitas", sustentando que o plano nacional de reforma para o sector foi suspenso.

"As crises são momentos que se devem aproveitar para fazer as mudanças e as reformas que devem ser feitas. No princípio da crise, tinha-se começado a implementar um plano de reforma da saúde mental, aprovado em 2008. O que aconteceu é que, em 2011, o plano foi suspenso", afirmou o professor universitário José Caldas de Almeida, presidente do Lisbon Institute of Global Mental Health, instituição que realizou o estudo.

José Caldas de Almeida foi coordenador nacional para a Saúde Mental, tendo sido responsável pela aplicação do Plano Nacional de Saúde Mental, entre 2008 e 2011.

Para o docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, "a saúde mental deixou de ser uma prioridade dos governos", quer dos anteriores de direita, quer do actual de esquerda, atendendo a que "todo o esforço de reforma, de reestrutura dos serviços foi suspenso".

Segundo o psiquiatra, medidas que constavam no Plano Nacional de Saúde Mental, como o desenvolvimento de serviços de comunidade, para acompanhamento de doentes, com equipas multidisciplinares, "foram interrompidas".

José Caldas de Almeida enalteceu, no entanto, "o profissionalismo muito grande, a dedicação" de médicos e enfermeiros, que evitou "o colapso" do sistema de saúde na resposta ao aumento das perturbações mentais.

"O sistema aguentou-se, não deu de si, não houve nenhuma situação dramática", advogou, salientando o "aumento significativo" do número de consultas, muito embora, apontou, a redução do orçamento para a saúde mental e a diminuição de médicos e enfermeiros nos serviços públicos, a "paragem de novas contratações".

O coordenador do estudo sublinhou que, apesar da capacidade de resposta do sistema de saúde, as dificuldades no acesso a consultas e a tratamentos adequados aumentaram entre 2008 e 2015.