Uma mulher foi condenada por ter exigido a demissão do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Em declarações à Renascença, Ana Nicolau mostra-se incrédula com a decisão judicial.

Condenada a seis meses de prisão, pena substituída por uma multa de 1.440 euros, Ana Nicolau conta que o “maior choque” foi logo no início, quando foi constituída arguida e decidiram levá-la a julgamento.

“O meu choque maior já vem desde aí, isto é só uma consequência do processo que foi iniciado. Não me choca mais do que já me chocou o início deste processo", afirma.

O caso remonta a 11 de Março de 2015, durante um debate parlamentar. Na altura, Ana Nicolau estava desempregada e, a partir das galerias da Assembleia da República, pediu a demissão do então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.

“Metes nojo ao povo. Demissão”, gritou a activista dos Precários Inflexíveis, que exigiu a saída de Passos Coelho devido às dívidas que o então chefe do Governo tinha acumulado à Segurança Social, entre 1999 e 2004.

Em declarações à Renascença, Ana Nicolau confessa que “nunca” imaginava que o caso poderia ter este desfecho. “Eu disse no julgamento que também estive no Parlamento no protesto da Grândola, que foram minutos de interrupção, desta vez não chegou a um minuto, e na Grândola não aconteceu nada a nenhum de nós, não fomos sequer considerados arguidos e desta vez aconteceu isto”, compara.

Onda de solidariedade

Ainda apanhada de surpresa com a condenação, Ana Nicolau ainda não decidiu se vai recorrer e diz que vai ler o acórdão.

O caso está a gerar uma onda de solidariedade. Há cidadãos a disponibilizarem-se para pagar a multa de 1.440 euros.

O director dos Artistas Unidos, Jorge Silva Melo, é uma das pessoas que se solidarizou com a activista, tendo partilhado uma mensagem de Ana Nicolau no Facebook com a seguinte frase. "Vamos ser nós a pagar, sim? Esta mulher defendeu-nos. Não quero que seja ela a pagar por nos ter defendido. Combinado?".

Além de em pouco mais de duas horas, o comentário da activista contar com 31 partilhas, há um sem número de pessoas que se mostra disponível para ajudar a custear a multa.

Juiz elogia Ana Nicolau

Na leitura da sentença, o juiz do Tribunal de Instância Central até destacou que Ana Nicolau é uma cidadã empenhada e que devia ser elogiada por isso, já que "há falta dessas pessoas".

"Agora o que a sociedade não pode permitir é que essa actuação se faça dentro da Assembleia da República", acrescentou.

O juiz José Lopes Barata disse ainda que só aos deputados é permitido terem o comportamento que Ana Nicolau teve em relação ao ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho quando esta lhe pediu que se demitisse.

O juiz alertou ainda a activista para que não se esqueça de pagar a multa sob pena de ir para a prisão.

Na sentença, a que a agência Lusa teve acesso, o juiz refere que Ana Nicolau agiu "com dolo directo, mas não intenso", e que apesar de ter "agido para bem da sociedade, agiu com ilicitude mediana já que a interrupção dos trabalhos da Assembleia da República foi de curta duração e a arguida acatou a ordem de retirada da galeria".

A conjuntura que Portugal vivia na altura, de grave dependência financeira externa, o que gerou uma "grande conflitualidade social", serviu de atenuante para os factos praticados pela arguida, acrescentou o juiz.

Sublinhou ainda que Ana Nicolau não mostrou arrependimento dos factos praticados, o que a desfavoreceu em tribunal.

Depois de elogiar o comportamento cívico empenhado da activista, o juiz disse ainda que "parece que começam a nascer, felizmente" cidadãos como Ana Nicolau.