Durante o período de ajustamento financeiro, a taxa de risco de pobreza passou de 45,4% para 47,8% em Portugal e a resposta à crise terá acentuado o cenário. A tese é de Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e um dos coordenadores do trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos que retrata as desigualdades sociais no país.

“A intensidade da pobreza subiu fortemente. Ou seja, nós não só temos mais pobres como os nossos pobres estão em pior situação, estão mais pobres. As políticas implementadas para responder à crise, em vez de tentar atenuar a situação dos mais pobres, acabaram por reforçar as suas condições de precaridade”, afirma à Renascença na véspera do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que assinala no sábado.

“Quando analisamos a evolução dos rendimentos familiares de 2009 a 2013, constatamos que os rendimentos familiares de praticamente todos os grupos sociais regrediram, em média, 7%”. Mas há aqui uma disparidade: “Os rendimentos dos indivíduos mais ricos da sociedade – os 10% mais ricos – diminuíram cerca de 8% e os rendimentos das famílias mais pobres diminuíram 25%”.

O investigador justifica a discrepância com “um fortíssimo retrocesso das transferências sociais”, lembrando que o Rendimento Social de Inserção “passou de 400 mil beneficiários em 2009 para pouco mais de 200 mil em 2013”.

Os dados relativos a esse ano indicam “claramente que tivemos em Portugal um retrocesso das políticas sociais”, fazendo-nos “recuar praticamente para o início do século”, defende Carlos Farinha Rodrigues.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), uma em cada cinco pessoas é pobre em Portugal.

Teoria vs realidade

Apesar de os governantes afirmarem que a pobreza está a diminuir, no terreno a realidade parece ser outra.

“Os sinais de pobreza estão-se a acentuar. Contrariamente ao que os nossos responsáveis dizem, as situações de grande carência estão a crescer no nosso país”, afirma Manuel Carvas Guedes, responsável pela Sociedade de São Vicente de São Paulo do Porto, que apoia mais de 13 mil famílias todos os anos.

Manuel Carvas Guedes não acredita, contudo, “que em Portugal exista fome”, já que a solidariedade defende os mais necessitados. “O nosso povo tem uma enorme virtude: é solidário”, destaca.

Mas continuam a existir carências básicas: “Crianças que não tomam o seu leite quando deviam tomar, não comem fruta, não comem carne e outros alimentos que são essenciais para o seu desenvolvimento”.

Além disso, há "muitas situações de jovens a meio dos seus cursos superiores, em que os pais ficaram desempregados e não conseguem continuar a pagar os estudos”, acrescenta o responsável.

Gente que “perdeu o chão”

Mais acima, em Braga, uma junta de freguesia com o mesmo nome (S. Vicente) fornece roupa e alimentação a quem mais precisa.

Os bens chegam pela mão de quem pode dar que a quem mais precisa – gente que “perdeu o chão”, afirma a responsável pela Loja Social, onde “todos os dias entra gente nova”.

Manuela garante que “ a situação está pior. Bem pior”. Se em 2014 eram 40 as famílias apoiadas, hoje são mais de uma centena.

O autarca da freguesia, Jorge Pires, lembra que “há seis anos”, quando assumiu o cargo, “se pensasse criar uma loja destas parecia doido. Hoje, infelizmente, é uma necessidade porque as pessoas estão mais pobres”. Pobres e, muitas vezes, envergonhados, confirma a coordenadora dos voluntários.

A roupa que preenche as prateleiras está a substituir as t-shirts de Verão pelas calças de ganga e os agasalhos e roupa de cama”, dado que começa a chegar o Inverno.

Mas há também produtos de higiene e alimentos: “Tínhamos atum, mas já não temos. De resto, temos salsichas e azeite, arroz e massa”, descreve ainda Manuela.