Ditaduras são ditaduras, qualquer que seja a inspiração ideológica. Com esta frase, António Vitorino coloca um ponto prévio na análise que faz à figura de Fidel Castro, que morreu aos 90 anos em Havana.

“Toda esta controvérsia revela um personagem maior que o país, que se projectou para além das fronteiras do seu país. Aquilo que fez em Cuba ao longo de 50 anos tem também aspectos positivos, do ponto de vista da educação, da saúde. A questão é que os benefícios sociais não apagam a natureza do regime”, diz o antigo ministro socialista no programa Fora da Caixa.

Para Vitorino, o regime imposto por Fidel é, por esta ordem, nacionalista, autoritário e comunista. “Historicamente, a revolução de 1959 é uma revolução nacionalista, pela soberania e independência de Cuba, contra a dominação colonial americana. O regime, ao tomar o poder, torna-se autoritário. Com o embargo americano, vai entregar-se nas mãos da União Soviética. Para consolidar o seu próprio regime, adopta a ideologia comunista”, analisa o antigo comissário europeu.

Pedro Santana Lopes começa também por clarificar que Fidel sobreviveu politicamente ao longo dos anos porque não tinha eleições. “Não digo se ganhava ou perdia, mas não podemos perder esse ponto”, anota o ex-primeiro-ministro, que reconhece que o embargo norte-americano constituiu também um “cimento aglutinador da resistência cubana”.

Santana reconhece que a luta pela independência nacional “é uma causa sempre simpática”, mas conclui que Fidel impôs uma ditadura em Cuba “com alguns laivos de romantismo, mas com alguns requintes de crueldade”.

Trump e os negócios em Havana

Com Raúl Castro ao leme, os últimos anos viram nascer um novo capítulo nas relações entre Cuba e os Estados Unidos, mais distendidas que nunca desde os anos 60 do século passado. A eleição de Donald Trump pode motivar alterações na estratégia norte-americana, segundo diversos analistas.

“Acho que vai haver um retrocesso, sem dúvida alguma. Será o retomar da situação antes de Obama? Parece-me difícil, porque com o fim de Fidel Castro há também uma certa forma de fim de regime”, observa António Vitorino, que pouco confia no que Trump vai escrevendo nas redes sociais sobre as suas opções de política externa.

“O problema agora coloca-se agora em tentar encontrar em Cuba uma via de saída para um regime que se esgotou. O regime está esgotado. A comunidade internacional e os Estados Unidos em particular, por muito canhestro que seja o senhor Trump, não podem deixar de dar abertura a isso”, complementa o antigo comissário europeu.

Já Santana acrescenta que Trump é também um homem sensível às possibilidades de negócio. “Como todos sabemos, em Cuba haverá algumas. Dentro dos impulsos económicos que quer dar, julgo que Trump não deixará de ser sensível ao que Cuba pode representar para muitos empresários e empresas americanas”, admite o antigo primeiro-ministro.