O antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes diz que há algo de errado com as actuais regras em vigor na União Europeia e a mudança pode surgir também na Europa. A tese foi deixada no programa “Fora da Caixa” da Renascença, esta semana dedicado às soberanias orçamentais no quadro da aprovação por Bruxelas do plano orçamental português.

“Qualquer dia os países juntam-se todos e sentados à mesa de um Conselho Europeu dizem que alguma coisa está errada com estas regras. E lá entramos em processos de revisão de pactos. Não há condições neste momento para impor políticas que levem às reduções de défices estruturais que estão previstas na generalidade dos países afectados por essa realidade, seja na Europa Oriental, Central ou Ocidental”, afirma Santana Lopes.

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa considera que alguma coisa vai ter que mudar a este propósito, embora admita que não é caso para se desistir dos objectivos de política orçamental traçados.

"Já são países a mais em que o cumprimento das metas é posto em causa. O que não significa que o objectivo em si não seja correcto. Os défices estruturais têm que ser corrigidos. Mas não haverá algumas políticas erradas? O objectivo pode estar certo mas não estará na hora de fazer balanço de algumas dessas políticas, para que as coisas possam ser alteradas?”, questiona o antigo primeiro-ministro na Renascença.

António Vitorino admite por seu lado que a Comissão Europeia já percebeu que as receitas orçamentais em vigor podem ser contraproducentes.

“A flexibilidade não surge porque de repente os burocratas de Bruxelas se lembraram de ser um pouco mais simpáticos. Eles compreendem que se forem tão duros como têm sido até aqui, correm o risco de agravar ainda uma situação que lhes acaba por cair em cima da cabeça “, argumenta o antigo comissário europeu.

O caso espanhol

A aprovação com reservas do projecto orçamental português pela Comissão Europeia pode ter leituras europeias, em especial num momento de impasse político em Espanha que não exclui a possibilidade da formação de um governo PSOE com apoio do Podemos.

Pedro Santana Lopes diz acreditar que o desenlace do processo português vai animar as pretensões do partido socialista espanhol liderado por Pedro Sanchez.

“Não penso que isso desencoraje, pelo contrário. Se o senhor Sanchez liga ao doutor António Costa a perguntar se acha que é possível, António Costa dirá que sim, que vá em frente que isto resolve-se”, diz o antigo primeiro-ministro que considera mais difícil que Sanchez consiga juntar Pablo Iglesias, do Podemos, e Albert Rivera, do Ciudadanos, na mesma sala a negociar.

Santana diz que a “realidade política” é que não houve um conflito com um Governo do Partido Socialista apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda." Houve reticências, bater o pé, mas foi uma negociação e nada mais que isso. Não houve guerra”, acrescenta Santana Lopes.

Sem uma solução política para o bloqueio em Espanha, com o Podemos a ganhar nas sondagens ao PSOE, o quadro económico ibérico pode ainda sofrer, adverte António Vitorino.

"A situação em Espanha tende a ficar num impasse. Isso é muito mau para Portugal. Não por causa de razões europeias, mas por causa de economia, do entrosamento das economias portuguesa e espanhola. A nossa expectativa é que apesar de tudo o que se está a passar politicamente em Espanha a economia espanhola continue a manter as perspectivas de crescimento que tem tido. Isso é importante também para a economia portuguesa. Mas não podemos excluir que o impasse político em Espanha comece a ter influência na própria economia espanhola”, remata o antigo comissário europeu.