Aos olhos de alguns dos principais média internacionais, Portugal escolheu para presidente uma personalidade da televisão. "O mais popular opinador do país’" é a expressão usada logo na abertura de um texto do Financial Times, que significativamente só começa a falar da carreira política de Marcelo Rebelo de Sousa no segundo parágrafo. "Um muito famoso analista político de televisão, conhecido por Professor Marcelo" é a frase de abertura do The Guardian, num tom em tudo idêntico ao do FT.

Não é de agora o crescente cruzamento entre o universo das celebridades mediáticas e a política, mas é de agora a chegada de uma dessas personalidades ao mais alto cargo político no nosso país. Portugal aproxima-se, assim, a um fenómeno que já se terá percebido noutras democracias europeias (com predominância para as mais jovens, no Leste do continente) e também nos Estados Unidos (a eleição de Ronald Reagan aconteceu há 35 anos).

Poder-se-á argumentar, com alguma facilidade, que este cruzamento decorre da relevância que a televisão tem nas nossas vidas e que, nesse sentido, ela se aproxima e potencia até o debate público. Pode, em todo o caso, de igual forma, perceber-se na proximidade dos dois universos um sinal de empobrecimento progressivo desse mesmo debate, sobretudo porque são as regras da TV que ditam a forma, o ritmo e a densidade da mensagem e não o contrário.

Marcelo Rebelo de Sousa construiu, na televisão e por via da televisão, uma narrativa de proximidade simulada com os portugueses ,assente numa lógica tutorial - as perguntas previamente combinadas com jornalistas que, em canais diferentes, se submeteram a um papel de figurantes; a paternalista distribuição de conselhos; a "professoral" atribuição de notas; e até o toque de intimidade q.b. com as listas de livros recomendados - e geriu, com a eficácia de uma qualquer produtora de conteúdos, a existência e intensidade de um "formato" ganhador.

Se a convincente vitória nas eleições presidenciais é, por um lado, uma espécie de triunfo glorificado dessa construção, ela poderá ser, por outro lado, o seu fim. Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente, não vai poder falar-nos ao ouvido todas as semanas e não vai poder manter a postura de confortável afastamento das questões concretas da vida política que tão bem cultivou. Terá, forçosamente, que se reinventar num papel diferente, num outro formato. E imagina-se que, nesta altura, nem ele próprio ainda saiba muito bem qual será.
Até agora, tivemos na presidência um militar austero, um político nato, um diplomata e um homem que se bastou a si próprio. Chegou a vez de experimentar a "voz amiga"’ que nos embalou durante mais de uma década. É todo um mundo novo - com luz, som e persuasão profissionalizada - que se nos abre.