Prémio “Nostradamus”

União das Freguesias de Real, Dume e Semelhe. Se tinha que ir ali fazer não-sei-quê e, portanto, não tinha tempo (ou só paciência) para acompanhar a longa noite eleitoral até que se apanhassem as canas, o melhor mesmo – e arrumava-se logo com o assunto e as delongas – era ir ver o resultado desta freguesia.

Do concelho de Braga e com, mais coisa menos coisa, 11.700 real-dumenses-semelhenses (perdoem-nos se não for mesmo este o gentílico), a freguesia registou um desvio médio dos resultados nacionais de 0.34 – menos até do que a ”Sondagem das Sondagens” da Renascença. E acertou, com uma margem de erro de 0,1%, os resultados de 10 dos 21 partidos que se apresentaram a eleições lá.

O maior “falhanço” aconteceu com o resultado do Bloco de Esquerda, mas o Bloco não levará a mal: os habitantes de Real, Dume e Semelhe deram 13.8% ao partido de Catarina Martins, quando a nível nacional este teve 9.67%.

Prémio “E não é muitos, e não são poucos: bastantes”

A estante Billy lá da freguesia já começa a vergar com o acumular de prémios de abstencionista (já o haviam sido nas europeias também; nestas legislativas voltam a repetir o feito) dos morgadenses. Esta pequena freguesia do distrito de Vila Real foi o local em que se registou a maior taxa de abstenção do país: 97,85%.

A não ida às urnas está associada a um "voto de protesto" contra a instalação de uma mina de lítio a céu aberto em Morgade.

Na freguesia que quer mais é que vão extrair esse minério para onde o diabo perdeu as botas, a distribuição de votos foi, no entanto, bastante equitativa. 50-50. Três votos para o PS, outros três para o PSD.

Prémio “Neo Blanc Gentil”

Se não ir votar é coisa de morgadenses, em Perelhal, Barcelos, protesta-se indo à urna e deixando lá coisa nenhuma (ou válida – que cada um desenha lá o que mais lhe aprouver) riscada no boletim: foram mais os que votaram branco/nulo do que aqueles que votam num partido. Repetindo a “façanha” das europeias, a freguesia contabilizou 507 votos nulos e é aquela que regista maior percentagem de votos assim (ou brancos, que também os houve) do país.

A população de Perelhal manifesta-se contra a passagem de uma linha de muito alta tensão na freguesia e, por isso, tem adotado esta forma de protesto. Foi também a freguesia em que os votos brancos e nulos mais cresceram.

Mas este prémio só vai para distrito de Braga porque estamos a falar de percentagem de votos brancos e nulos no total da votação da freguesia.

Se o prémio viesse a ser atribuído em termos absolutos, Algueirão-Mem Martins, em Sintra, seria o vencedor. A freguesia que mais votos deu ao partido de extrema-direita Chega foi também aquela onde mais se registaram votos brancos, e nulos, no país.

Prémio “Até já fui mais abstencionista do que o que sou”

Erada, freguesia da Covilhã, foi a freguesia do país em que a abstenção mais desceu face a 2015. Então, a abstenção nesta freguesia rondava os 66,41%, ao passo que este ano foram 42.51%.

Numa eleição onde a abstenção nacional bateu mais um recorde, Erada poderia ser apontada como um “case study” para a Comissão Nacional de Eleições. Só que não.

Não, o sucesso do combate à abstenção não se deve às campanhas de sensibilização para a importância de ir votar. É que em 2015 a população estava contra o fecho da escola primária e a transferências de 17 crianças para a aldeia vizinha do Paúl.

Resignados os abstencionistas eradenses, em 2019, conta-nos o “Público”, a escola já só serviu para votar.

Prémio “Quinze-a-zero”

Rui Rio considerou que o resultado do PSD não foi assim tão mau. Muitos estranharam o discurso quase vitorioso na derrota. Não estranhem: Rio olhou, na certa, mais para a árvore do que para a floresta.

A verdade é que, e olhando freguesia a freguesia, houve mesmo freguesias onde os sociais-democratas se revelaram um autêntico “rolo compressor” de socialistas.

A saber: quase 80% dos eleitores em Codessoso, Curros e Fiães do Tâmega, no concelho de Boticas, Vila Real, votaram no PSD. É o valor mais alto que o partido conseguiu a nível de uma freguesia.

No "top 10" dos resultados mais expressivos, quase todos são do PSD. A exceção é Negrões, que deu 77,45% aos socialistas, e Boalhosa, Ponte de Lima, onde o CDS-PP teve 75,34%.

Prémio “Twilight Zone”

Todas as freguesias do prémio “Quinze-a-zero” vivem certamente em quintas dimensões que acabam por estar mais longe do que perto da realidade. Mas é na já referida freguesia de Boalhosa, na fronteira de Ponte de Lima com Vila Verde, que se vive a maior distorção da realidade.

O CDS-PP teve 75,34% dos votos nesta freguesia de um concelho tradicionalmente centrista - um desvio de 71,09 pontos percentuais face à votação nacional do partido de Assunção Cristas. Em Boalhosa, não há “partido do táxi” para ninguém; alugue-se um autocarro da Rede Expressos para os boalhosenses irem ao Largo do Caldas receber outro galardão: o prémio “Amaro da Costa”. Já não vai é ser Cristas a entregá-lo, certamente.

Prémio “Nunca tantos foram tão poucos”

É verdade que nas legislativas o que importa é mesmo a quantidade de deputados que se elege - é isso que vai ditar a força do partido na Assembleia da República. Agora, se o sistema eleitoral se baseasse numa lógica de freguesias… o parlamento português seria muito diferente.

De acordo com a análise de dados da Renascença, o PS venceu em 1.881 freguesias e o PSD em 1.197. A coligação PCP-PEV é a terceira força política a ganhar mais freguesias, seguida do CDS-PP. Mas entre os partidos que ganharam em freguesias, há um que não elegeu qualquer deputado: foi o Juntos Pelo Povo, que venceu em Gaula e em Santo António da Serra, na Madeira.

Prémio “No tempo da outra senhora”

Sem as lantejoulas e plumas da Deborah Kristal nem um “playback” da Gloria Gaynor, é tempo do lugar aos novos. A Assembleia da República vai acolher três novos partidos: o Iniciativa Liberal, o Livre e o Chega. Assim sendo, a Renascença resolveu atribuir um prémio às freguesias que mais ajudaram a eleger João Cotrim Figueiredo, Joacine Katar Moreira e André Ventura.

Comecemos precisamente por ele, Ventura. O discurso anti-sistémico da extrema-direita ecoou bem em Póvoa de São Miguel, concelho de Moura, na região do Alentejo. A freguesia a cerca de 20 quilómetros da barragem de Alqueva foi aquela onde o Chega registou a maior percentagem de votos: 15,74%.

Se olharmos ao total de votos, Algueirão-Mem Martins, a freguesia com mais votos brancos e nulos do país, foi também a que mais contribuiu para eleger um deputado da extrema-direita.

Prémio “O nosso amor é verde”

Caveira, Açores. Não foi propriamente o círculo eleitoral no qual o partido fundado por Rui Tavares mais apostou, mas foi lá que o partido da esquerda “verde” (assim se denomina) recém-eleito registou a maior percentagem de votos: 10%. Para tal, bastaram três votos, numa freguesia em que votaram somente 35 dos 66 registados.

Contudo, se o ângulo for o número total de votos, aí a aposta no círculo eleitoral que elegeu Joacine Katar Moreira acaba por fazer mais sentido. Arroios, União das freguesias de Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, e Lumiar foram as freguesias que mais votos deram à nova força parlamentar.

Prémio “Mão invisível (que por acaso até deposita votos nas urnas)”

A Iniciativa Liberal, de Carlos Guimarães Pinto, é alfacinha - mas uma alface privada, não uma alface do Estado - e, portanto, registou a sua melhor percentagem de votos na freguesia da Estrela (7,04%), seguida das Avenidas Novas (6,70%) e Santo António (6,44%), todas em Lisboa.

No entanto, se for tudo uma questão de votos, nem foi onde teve melhor percentagem que se registou o maior número de votos nos liberais. Esse prémio vai para a freguesia do Lumiar. Onde? Em Lisboa, claro.



Os dados na base desta análise foram recolhidos do site da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna.

O código para a sua recolha, bem como a sua posterior análise, podem ser consultados aqui.

Os dados por freguesia para as eleições de 2014 e 2019 estão disponíveis no Portal de Dados Abertos da Renascença.