São diversos os adjetivos para qualificar a campanha eleitoral que termina na sexta-feira: foi alegre, no sentido queirosiano, pelo colorido das arruadas e dos cartazes; foi divertida, com o reino animal dos candidatos feito porta-voz de sentimentos; é crispada, quando se atacam uns aos outros; pode ser triste, quando se constata a desesperança instalada em relação ao futuro, com ou sem mudança de protagonistas governativos. E foi também, talvez sobretudo, uma campanha míope.

Tudo o que se discutiu, em debates ou nas ruas, quase se reduz à aritmética pós-eleitoral e parlamentar: quantos mandatos cada partido obterá e, não havendo maioria absoluta para ninguém, quem se juntará a quem tem mais para o mágico número de 116 deputados, ou com quem poderão os grandes contar, votação a votação, para um governo (pantanoso) à Guterres. Na voragem do momento, a campanha eleitoral omitiu temas e problemas que, estranhamente ou talvez não, ninguém quis abordar e enfrentar. Escolho dois, um estrutural e um conjuntural, de entre muitos possíveis.

O primeiro é o dramático envelhecimento demográfico português - uma daquelas questões que, de facto, a História revela e explica, mas que cabe à política inverter. Em 2021, o país atingiu um mínimo histórico de natalidade (menos de 80 mil nascimentos). Em 2011 tinham sido 96 mil, em 2001, 112 mil, e em 1971, 181 mil. Houve, pois, uma quebra de mais de 50% em 50 anos. O índice de envelhecimento quadruplicou em 40 anos, de 45 para 182 idosos por cada 100 jovens, e Portugal é o 3.º país mais envelhecido do mundo, depois do Japão e da Itália. Este “suicídio demográfico”, que se agrava com a emigração dos jovens, tem consequências múltiplas e negativas sobre o SNS, a sustentabilidade do Estado social, as relações intergeracionais ou a pobreza.

De acordo com o INE, e não só por causa do impacto da pandemia, mais de 20% da população portuguesa é pobre, com 1,6 milhões de cidadãos vivendo com menos de 540€ por mês, uns míseros 18€ por dia. A esmagadora maioria dos pobres em Portugal são idosos pensionistas de sobrevivência, desempregados ou empregados mal pagos. Sim, a política salarial e, com ela, a produtividade, têm de ser pensadas, e disso se falou na campanha. Mas faltou falar de algo, bem próximo e conjuntural, que ameaça rasgar este tecido social português, velho, desbotado e esgaçado – o segundo tema e problema que a miopia política deixou de fora.

2021 fechou com uma inflação na zona Euro de cerca de 5%, um recorde neste século, muito pressionada pelo aumento do preço da energia - que pagamos cara para aquecer as casas ou, via ISP, para comprar combustível. Na Alemanha a inflação foi de 3,1%, a mais alta desde 1993; no Reino Unido foi de 5,4%, a mais alta desde 1992; nos EUA atingiu 7%, a mais alta desde 1982. Em Portugal, os preços estão a subir, e a perda de poder de compra real só não é maior porque o BCE (como a FED) alavanca a compra de dívida e ainda não começou a subir as taxas de juro. Nos EUA, a mexida chegará já em 2022; na UE, será porventura inevitável pelo menos em 2023. Dirão que isso é do mundo da macro finança. Não é. Basta uma subida de 1% na taxa de juro diretora para, por exemplo, os portugueses pagarem mais 60 milhões € por mês nos créditos bancários à habitação – para não falar que dinheiro mais caro tem uma cascata de efeitos nas empresas, nos custos de produção e, por isso, no preço de tudo o que compramos. A História explica, diz António Costa – pois explica! Explica que quando uma conjuntura de aperto assenta em cima de uma estrutura frágil, o desgraçado país vítima desse duplo problema sofrerá duplamente. Mas para lá deste inverno de 2022, ninguém parece querer olhar.