Em Portugal, o debate sobre o desenvolvimento económico e a convergência com a Europa está sempre prejudicado por sectarismos políticos. Se nos colocarmos, porém, para lá da partidarite aguda, teremos de reparar que há duas décadas que o país estagnou; enquanto isso, muita gente opina sobre modelos de distribuição de riqueza e pouca concebe como se pode criar (mais) riqueza para distribuir. Portugal precisa, com urgência, de pensar nisto. Ao lado dos modelos mais abstratos da macroeconomia e da sociologia, talvez a história possa dar o seu contributo – e da forma mais simples possível, pela recordação de casos biográficos que foram exemplos de liderança, empreendedorismo e compromisso para com o país, o seu progresso e o seu bem-estar.

Um desses casos biográficos foi evocado ao longo do último ano, a propósito dos 150 anos do seu nascimento, a 30 de junho de 1871: Alfredo da Silva, o lendário criador do grupo CUF e da dinastia empresarial «Silva-Mello», que marcou a paisagem económica e social portuguesa nos últimos 125 anos. Organizado pela Fundação Amélia de Mello, o programa comemorativo foi amplo, com diversas publicações e conferências temáticas, que partiram das lições do passado para as aprendizagens do presente e perspetivas do futuro, e com um concurso que mobilizou centenas de jovens dos ensinos básico, secundário e profissional. O facto de eu ter contribuído para esta evocação – ainda em curso – não impede que aqui sublinhe a utilidade cívica de os portugueses repararem na história de Alfredo da Silva.

Filho de uma família da burguesia lisboeta, aluno de mérito do Instituto Industrial e Comercial, acionista, gerente e diretor de uma série de empresas, com destaque para os mais de 40 anos em que liderou a CUF, Alfredo da Silva foi um grande industrial, dinâmico e empreendedor, com um elevado sentido de responsabilidade social para com os seus muitos trabalhadores, e de compromisso com o Portugal do tempo, que procurou desenvolver, nele criando riqueza e transformando-o num país mais competitivo.

É de tudo isto que resulta a sua indesmentível importância e o relevo económico e social da CUF, que os seus herdeiros, Manuel de Mello, Jorge de Mello e José Manuel de Mello (a família Mello), receberiam, continuariam e expandiriam ainda mais, desde a morte de Alfredo da Silva, em 1942, até à década de 1970… e ao presente. Quando as nacionalizações de 1975 desfizeram o império CUF, este estava entre os dez maiores conglomerados industriais e financeiros da Europa e era o maior dentro da Península Ibérica; contabilizava mais de uma centena de empresas, dava emprego a mais de 50 mil operários e funcionários, constituía uma das melhores “escolas” de quadros técnicos do país e valia cerca de 5% do PIB nacional – um peso e uma importância que nenhum grupo empresarial luso voltou a ter no todo da economia portuguesa ou internacional até hoje.

A vida e a obra de Alfredo da Silva demonstram, assim, que é possível fundar e cimentar marcas “made in Portugal”, fugindo ao pessimismo e à anomia, e talvez suscitando novas vocações de empreendedorismo; e o de que isso pode, e deve, ser compatibilizado (olhando o caso de sucesso da política social da CUF) com uma lógica de responsabilidade e de sustentabilidade humana das empresas e das organizações. Num país que continua, hoje, preso por tantos obstáculos (a falta de competitividade da economia, a dependência externa, a fraqueza da iniciativa privada, a desindustrialização, etc.), a biografia de Alfredo da Silva é uma utilíssima lição de história – porque ele foi, na feliz expressão usada há dias pelo Presidente da República, um dos “escassíssimos superlativos” da nossa história contemporânea.