Chegado setembro, época de rentrée para toda a gente e com eleições autárquicas próximas, o tom dos media, dos colunistas e das caixas de comentário online vai mudar. É um ritual anual. O estio está a acabar e os problemas do verão ficam arquivados no verão. Não deveria ser assim. Desde junho, e ainda antes da catástrofe de Pedrógão Grande, assistir às aberturas de telejornais ou aos diretos dos canais noticiosos pareceu um ritual fúnebre. Dia após dia, narraram-se os incêndios que lavravam, os que estavam fora de controlo, os que reacendiam, os que ameaçavam (e vitimavam) gentes e haveres – e mais os meios de combate, o SIRESP, a feira das (ir)responsabilidades políticas, etc. Dados agora apurados pelo ICNF mostram um aumento de 234% na área ardida, em 2017, face à média da década anterior! Portugal está na moda por boas razões – os turistas e a Madonna – mas também por más razões – é o país europeu recordista em área ardida (214 mil hectares até agosto), apesar da sua pequenez geográfica. Se houvesse para aí um empresário com espírito mórbido, ainda se organizavam "tours" para os turistas, abundantes, visitarem a floresta portuguesa queimada como passeio radical!

Não só em tributo aos 65 portugueses que morreram em Pedrógão Grande, mas também em gesto de transparência para com todos os restantes cidadãos, gostava que alguém ou alguma entidade conseguisse apresentar ao país um número, um simples número: quanto custou a tristemente célebre "época dos incêndios 2017" (que ainda não acabou…). Aguardamos as conclusões do grupo de trabalho que estará a investigar o incêndio de Pedrógão. Mas além desse, houve muitos mais. E se a vida humana e o sofrimento e transtorno familiares causados pelas mortes de parentes não têm preço e não são mensuráveis, o resto é. Quantos milhões e milhões de euros se perderam ou se gastaram nos fogos deste verão? A fatura teria de incluir o valor do território ardido, em área bruta, recursos florestais e agrícolas, as casas, os animais, os automóveis e demais bens dos particulares, as estradas e infraestruturas públicas, o trabalho dos bombeiros e dos populares, o combustível dos autotanques, as horas de voo dos meios aéreos, a água gasta (bem escasso num país em seca), as comunicações (quando não falharam), a montagem e desmontagem de meios nos teatros de operações, a deslocalização de populações, até, talvez, as refeições fornecidas no terreno, que parecem ter sido a cereja no topo do bolo da vergonha pública.

Gostava de ver, de facto, por entidade independente - o ICNF, o INE, um Centro de Estudos, uma Fundação - tudo faturado, para termos uma ideia de quanto custou. O número não seria para ajustes de contas políticos, porque se a "geringonça" foi conjunturalmente incompetente este verão, as múltiplas condições propiciadoras dos incêndios são estruturais e vêm de longe. Saber quanto custou a triste "novela" diária, em prime-time, das labaredas, é um imperativo de consciência coletiva. A fatura seria tão impressionante que talvez assustasse os eleitos e indignasse os eleitores ao ponto de constituir uma sonora campainha de alarme. Já se viu, e vai continuar a ver-se, que a época dos fogos é pasto de muita ideologia e intriga partidária. Alguém tem de se situar acima disto e dar-nos os factos, a realidade: coligir perdas, organizar as rubricas por espécies, somar tudo e dizer-nos, numa linha, quanto custou. Tenho a certeza que o número seria chocante. Já não tenho tanta certeza sobre os reais efeitos desse "murro no estômago" pedagógico. Mas, ao menos, ficávamos todos a saber.