A cena repete-se com desconhecidos que me abordam na rua, com o público de conferências, com leitores via mail, com conhecidos, familiares e amigos ao vivo. A cena é, na verdade, uma queixa: não há meio de ser avó, nunca mais os meus filhos me dão um neto! Normalmente, são as senhoras que se queixam, mas também há lamúrias masculinas. Oiço e leio esta frase com uma regularidade impressionante, porque ser avó ou avô já não é uma inevitabilidade biológica e emocional.

É um cenário sombrio. Em Portugal, milhares e milhares de pessoas estão a envelhecer sem o reconforto emocional que é ter netos. Para usar uma expressão que oiço muito, “não gozam os netos”, porque nem sequer os têm. Claro que esta ausência de netos só pode reforçar a solidão inerente à velhice. É porventura uma das coisas mais tristes que podem acontecer a um ser humano: envelhecer sem a energia nova que os netos trazem; envelhecer sem a correcção dos erros da paternidade. Sim, sim, o amor incondicional derramado sobre neto é um mea culpa. Se nós, pais, estivermos atentos, vamos perceber que o excesso de mimo que os avós dão aos netos é na verdade para nós, é um pedido de desculpa por falhas com trinta ou quarenta anos.

Mas sabem o que pode ser ainda mais grave do que não ter netos? É começar a ser avó ou avô aos 70. Se pegarmos nas contas da semana passada, ficamos com uma matemática familiar ainda mais soturna: se muitos começam a ser pais aos 40, isto quer dizer que muitos começam a ser avós aos 70, aos 65 com sorte. Isto é outro fracasso coletivo, um fracasso familiar, sentimental, demográfico. A entrada em cena tão tardia do carinho avoengo é outro factor extra para a baixa natalidade. Como é que uma mulher ou homem na casa dos 70 pode ajudar a criar o neto? As limitações são evidentes. E, quando a criança tiver 10, a avó ou avô terá 80. Quem são as pessoas que aos 80 anos têm energia para ajudar a cuidar de um neto no dia-a-dia ou nas férias? Aos 80 anos, nós já merecemos um neto como babá ou dama de companhia, e não o inverso. Está tudo ao contrário.

Está tudo ao contrário, porque criámos a ilusão da juventude eterna, porque criámos um mito perigoso: se seguíssemos as dietas mágicas e os exercícios milagrosos, os 40 seriam os novos 20. Só que não é bem assim, até porque os 70 nunca serão os novos 50.

PS: dedicado ao Pedro.