No “Journal of Medical Ethics”, Ricardo Smalling e Udo Schuklenk, dois especialistas em bioética, argumentam que nenhum médico pode ter direito à objecção de consciência em caso de aprovação da lei da eutanásia; para Smalling e Schuklenk, a objecção à eutanásia não passa de uma mera objecção moral originada na religião, que é “uma visão do mundo privada e idiossincrática”; nesta visão positivista e materialista, só a ciência tem dignidade pública, só a ciência pode argumentar no espaço público.

São vários os problemas desta tese. Para começar, a ciência não responde ao “porquê”, só responde ao “como”; não responde à questão “é este acto legítimo?”, só responde à questão “como se efectua este acto?”, ou seja, a sua esfera de acção é apenas a da possibilidade material, não a da legitimidade moral. A linguagem científica é incapaz de entrar no debate sobre a moralidade da eutanásia, só é capaz de entrar nos debates técnicos sobre a eficácia dos diferentes tipos de veneno que se podem usar na eutanásia. Não, a ciência não pode ser o centro moral dos nossos debates, porque a lógica científica é (e deve ser) amoral.

Como salientou Jeffrey Collins na “First Things”, este positivismo científico acaba por gerar um positivismo legal e quase sempre autoritário. Seguindo a lógica de Hobbes, o refúgio clássico de qualquer ditadura contrária ao direito natural, Smalling e Schuklenk afirmam que só a lei positiva determina o que está certo ou errado, isto é, os indivíduos não têm o direito de contestar a lei através da sua consciência privada ligada a uma ideia transcendente de bem. Não há aqui qualquer metafísica, apenas a física do poder.

A virtude é determinada por um mero decreto-legal da burocracia. Se uma prática for legal aos olhos da lei, então o indivíduo tem de seguir a lei do Estado. Se o Estado autoriza o aborto ou a eutanásia, então o médico está forçado a realizar esses actos, mesmo que isso viole a sua consciência privada. Essas consciências privadas, dizem Smalling e Udo Schuklenk, enfraquecem a vontade geral e devem ser subordinadas à “consciência pública”. E quem decide essa “consciência pública”? A regulamentação do estado. Neste sentido, os médicos têm de aceitar “todo o espectro da sua profissão” (eutanásia incluída) regulada pelo Estado.

O que nos leva a uma nova contradição do programa fracturante, sobretudo nesta questão da eutanásia: por um lado, esta revolução do suicídio é libertária ao máximo para quem quer morrer, mas é totalitária para quem tem de matar; quem quer morrer tem uma alegada autonomia total, mas quem tem de matar não tem autonomia moral, até corre o risco de perder o direito à consciência.