Todos os anos, no dia em que se conhecem os rankings das escolas, ordenadas pelos resultados dos exames, assalta-me uma dúvida: como é possível que uma listagem que eu saudei como uma conquista da liberdade de expressão e uma vitória do jornalismo perante a opacidade do monstro da “5 de outubro” tenha acabado, com a conivência de todos, numa espécie de grande e incontestada “fake new”. Um rolo compressor sobre o sistema, capaz de sacrificar tudo à fobia de um número, que em si não nos diz nada. Um elemento de informação residualmente interessante. Alvo de manipulações toscas e várias. Capaz de alimentar mais a preguiça mental do que de fomentar o debate que os “criadores dos rankings” sempre defenderam.

Fui a favor da publicação de rankings anos a fio. Achei que as universidades iriam ajudar os jornalistas a tornar uma série, que valia pelo facto de ser um primeiro instrumento de análise, em algo solidamente sustentado que a curto prazo iria ajudar os governantes a decidir, os professores a trabalhar melhor e mais focados, os pais a fugir ao “eduquês” e a exigir uma verdadeira prestação de contas da comunidade escolar, e os alunos a sair melhor preparados para a cultura de objetivos e de competitividade envolvente.

Não nos podemos queixar sequer da falta de empenho da academia. A Universidade Católica, é bom exemplo, faz com o jornal “Público” um trabalho de base notável (a que a Renascença também recorre) tornando listagens em si mesmo intratáveis em dados com pés e cabeça, ordenadas segundo critérios objetivos que, pelo menos, limitam falsas interpretações.

As escolas tratadas são apenas as que têm 100 ou mais exames realizados o que embora limite a análise, evita a mistura de realidades “incomparáveis”. Mas nisto também se introduzem distorções que, num caso ou outro, podem prejudicar a excelência de um ensino de menor escala.

O problema é mesmo este. Uma análise baseada em “médias” é isso mesmo (o frango comido por um, deixando o companheiro à fome, é visto como refeição partilhada com dois indivíduos igualmente saciados!). Nada a fazer contra isto. Ou melhor haver há, mas não se quer. Bastava atribuir um número ao aluno e já se poderia seguir o seu percurso, fornecendo elementos mil vezes mais ricos.

E quando tentamos corrigir os números em bruto? Mais nos baralhamos. O que nos diz o facto do ex-liceu Camões de Lisboa ter o maior número de “vintes” e o maior número de “uns”? Diz-nos, sobretudo, que tem uma excelente professora de História, infelizmente à beira da reforma. E dir-nos-á, quem sabe, que é uma escola em que o fosso de desigualdade entre os alunos é brutal. Não. Isso talvez se possa intuir, não se pode concluir.

Bem perto do Camões está a escola secundária Filipa de Lencastre. Conheço-a melhor. Está a dois passos de casa. A minha filha é ex-aluna e outro dos meus filhos aluno do secundário. É tida como escola excelente. Esteve em 2018 na origem ao escândalo das moradas falsas. Quem não queria “ir para o Camões”, com menos fama, tentava tudo para conseguir uma morada na vizinhança ainda que emprestada por amigos e conhecidos. Quando os novos residentes na zona a repovoaram e começaram a ficar de fora, o fenómeno foi denunciado e o controlo apertou. Terá efeitos nos próximos rankings? Talvez.

Vejamos o resultado da escola este ano: Como qualquer pública não está no top 10, nem no top 20, nem sequer no top 30. Também não está no top 50 onde aparecem escolas da Póvoa, de Coimbra, de Viseu etc…. No centro de Lisboa, onde os meios se concentram, começa a preocupar, mas não é caso para desmoralizar. Afinal tenho dúvidas sobre o que valem as listas.

Brandão Rodrigues ao mudar o exame do 9º ano para o 8º matou, no ensino básico, uma série preciosa que em si mesmo podia dar informações úteis se alguém quisesse deixar a enganadora média e estudar, um a um, os percursos escolares seguindo a vida dos alunos. A lista de notas do Básico vai deixar de ter qualquer interesse.

No secundário o que interessava mesmo era saber se, por exemplo, como a Renascença já tentou este ano, os alunos com pais com menor grau de instrução conseguem com a ajuda da escola superar o fosso de dificuldades e subir na escala social. Isso sim é avaliador de sucesso.

Mas para já só sabemos que nalgumas escolas, em média, o salto é conseguido. Mas, nada nos garante que não sejam os filhos dos mais instruídos a puxar pela média. Como no Caso Camões, não sabemos se os alunos de vinte não são todos filhos de catedráticos e os alunos de 1 todos filhos de analfabetos. E se assim for, o desastre é, apenas, total.

Como dizia um professor de Viana cuja escola foi, um ano destes, a que mais subira no ranking. Preferia mil vezes ter menos abandono escolar do que subir na listagem das notas dos que chegam ao fim e ter a comunicação social a considerar este “um caso de sucesso”.

Tanta coisa que as séries nos podiam dizer, e não dizem. Tantas coisas que a 5 de outubro podia dizer-nos e não diz. Fugindo ao debate com o ideológico e estúpido argumento de que o sistema de ensino que “vale “é, apenas, o público. Enquanto não mudar esta visão podem crer que nas escolas privadas serão cada vez mais procuradas apenas pelos que podem pagá-las, ou seja, os com melhores condições. Nos rankings vão desaparecer as privadas de cariz “assistencial” e as acessíveis a todos (com os poucos contratos de associação). Limitar-se-ão aos primeiros lugares.

Cedo à tentação de qualquer mãe e vou finalmente direta à classificação do Filipa de Lencastre. Clico em “escolas públicas distrito de Lisboa” e aparece: no ensino básico, lugar 57º (3,56 de média) mas, na nova lista do indicador de “Sucesso” (alunos sem chumbos em todo o ciclo e aprovação no exame), desce para o lugar 72º. Hesito. O Básico já lá vai.

Afinal, o que me interessa mesmo é a lista do Secundário, onde o meu filho já vai passar a contribuir para o ranking deste ano. Na “listagem tradicional” surge em 80º lugar (11,41 de média), não é fascinante, esperava mais. Mas, é apenas “uma média”. Continuo. Esta é uma das melhores escolas públicas de Lisboa (a 5º em toda a cidade e está numa zona privilegiada como as anteriores quatro). Vou à nova lista ministerial do indicador “do sucesso” (percursos limpos de chumbo com passagem no exame final), surge a surpresa: desce para 226º (com um indicador mínimo de 0,8!). Que quererá isto dizer da escola do meu filho? Será caso para alarme? Penso melhor, respiro fundo, e respondo a mim própria: O que isto significa? Provavelmente, nada!