Um homem que precisa de andar armado para se sentir em segurança, na Viena do século XXI, diz tudo sobre si. Mesmo assim mais de metade dos eleitores austríacos consideravam-no a melhor opção para representar o seu país na comunidade internacional e estavam dispostos a colocar, nas mãos do jovem e “inseguro” Norbert Hofer, potencialmente perigoso, a possibilidade de dissolver o Parlamento e destituir o respectivo Governo. O mesmo que Marcelo Rebelo de Sousa pode fazer por cá.

O risco de chegada à Presidência da República de um líder da extrema-direita populista num dos 28 Estados-membros da União acabou afastado, à última hora, pelo candidato dos Verdes. Mas isso não impediu Norbert Hofer de saborear a derrota como se de uma vitória se tratasse. Intitulando-se como o verdadeiro representante do povo contra os interesses da elite e anunciando, desde logo, que a luta pela chegada ao poder do seu Partido da Liberdade não vai esmorecer.

O pior é que ele tem mesmo razão quando clama vitória, embora tenha perdido a Presidência por uns providenciais 31 mil votos ( meio estádio de futebol!) . Recebeu a confiança de muito mais de dois milhões de eleitores num país com uma população muito próxima da portuguesa.

O vencedor acabou por ser encontrado no extremo oposto do leque partidário. Desaparecido o centro, logo na primeira volta, o candidato mais votado surgiu à esquerda da esquerda, recaindo a escolha final do Presidente num ex-social-democrata que esteve uma dúzia de anos ao leme do Partido Ecologista e se retirou há pouquíssimo tempo da respectiva liderança.

Por mais radical que nos possa parecer o seu discurso ecologista todos lhe estamos gratos. Alexander van der Bellen fez toda a Europa suspirar de alívio e é claramente merecedor da nossa gratidão. Com ele a história não vai andar para trás tão cedo.

Mas o alívio não chega para baixar a guarda. O perigo adormecido permanece. Hofer, o jovem de pouco mais de 40 anos que dá ares ao “special one”, tem a mesma ambição de vencedor de Mourinho quando tinha a sua idade. Mesmo vencido já conseguiu captar a confiança de mais de 80% do operariado, mais de 60% do voto masculino e a maioria do voto rural e menos escolarizado. Além disso anunciou que vai continuar a trabalhar para chegar ao poder em 2018, ou seja, nas próximas legislativas. Já esteve mais longe.

Temos de reconhecer-lhe a competência. Como fizera Marinne Le Pen em França, também ele soube branquear o programa partidário. Expurgou-o de qualquer referência explicitamente xenófoba, limou-lhe as arestas neo-nazis e teve o cuidado de a nível internacional evitar as más companhias. Não quer ter nada a ver com a Aurora Dourada grega. Ainda bem.

Mesmo assim não escondeu os tiques populistas nem o discurso anti-refugiados ( 90 mil nos últimos meses ou seja pouco mais de um por cento da população) é como manda o cardápio destas novas forças emergentes contra o chamado centro politico além de eurocéptico q.b, proteccionista assumido , nacionalista e obcecado com a segurança. Nada que não se veja na Dinamarca, na Finlândia, na Suécia na Alemanha (com a chamada Alternativa) e na velha Frente Nacional francesa. Farinha do mesmo saco.

Um discurso radicalizado à direita que não é sequer apanágio exclusivo do continente europeu. Trump que também tem consigo o lobby das armas prova que o populismo é um fenómeno em ascensão em todo o mundo.

Filho de refugiados em fuga do regime estalinista russo, nascido antes da segunda guerra acabar, Alexander van der Bellen dá provas de não querer que a velha história se repita, mas é sintomático que não tenha conseguido sequer a indicação de voto dos dois partidos de centro que desde a II Guerra Mundial governaram a Áustria e, que desta vez, ficaram excluídos logo na primeira volta das presidenciais. Implodindo com estrondo, afogados em acusações de repartirem há demasiado tempo o leque dos empregos de Estado.

Onde já vimos isto? O que ser passa aqui ao lado em Espanha com o pendulo a deslocar-se perigosamente à esquerda depois dos escândalos permanentes onde se afogam o PSOE e o PP.

No caso austríaco o novo Presidente fez face à ameaça de regresso ao poder da extrema-direita apenas com o apoio do seu partido e de quatro mil personalidades da elite austríaca de todas as áreas. Nem sociais-democratas nem conservadores lhe deram aval, o que diz muito sobre a forma como os dois partidos foram varridos do mapa sem grandeza.

A história decide-se agora entre dois extremos assumidamente “anti-sistema”. E no caso dos libertários de Hofer vale a pena lembrar que não é sequer a primeira vez que chegam ao poder. Na viragem do milénio os seus antecessores no partido já tinham servido de muleta ao Governo dos conservadores. Nessa altura deixaram a Europa de tal modo em choque que a França (a braços internamente com a passagem à segunda volta das presidenciais do velho Le Pen) forçou a aplicação de sanções a Viena colocando o país em quarentena democrática. Não chegou.

Passados 15 anos já ninguém se espanta. Já não há força para lhes impor sanções. Na Hungria e na Polónia já ninguém ousa contestar a legitimidade de quem quer calar a imprensa. Na Áustria, a extrema-direita fica agora mais forte do que nunca. Dá que pensar. Nos anos 30 também foi assim. Escalando na crise económica, com o apoio do “povo” e legitimados pelo voto. Faz medo, muito medo.