Parece ter acalmado a recente tensão entre a Índia e o Paquistão, dois países com armas nucleares. Mas o conflito entre eles está longe de se encontrar ultrapassado. Importa revisitar as raízes desse problema, que preocupa todo o mundo.

A Índia foi, durante séculos, a joia mais preciosa do império britânico. A descolonização da Índia, porém, foi desastrada. Aconteceu pouco tempo depois do fim da II Guerra Mundial, da qual a vencedora Grã-Bretanha emergiu muito enfraquecida. E Churchill, um entusiasta do império, já não era primeiro-ministro. Apesar do seu decisivo e notável papel durante a guerra, os britânicos votaram maioritariamente nos trabalhistas nas eleições de maio de 1945.

O desgosto de Gandhi

Pouco antes de morrer, assassinado por um extremista hindu em 1948, Gandhi confessou que o maior desgosto da sua vida tinha sido a independência da Índia ter dado origem, não a um único Estado, mas a dois, a União Indiana, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana. Essa separação não correu nada bem: houve migrações em massa, inúmeras agressões, milhões de mortos, etc.

Gandhi combateu pacificamente a colonização britânica. Mas não conseguiu pacificar as relações entre hindus e muçulmanos. Hoje permanecem importantes minorias muçulmanas na Índia, bem como, embora menos, hindus no Paquistão.

Acresce que no norte do subcontinente indiano existe um território, Caxemira, disputado pela Índia e pelo Paquistão. Inicialmente Caxemira foi incorporada na União Indiana. Mas a população local era, e é, de maioria muçulmana, o que levou à primeira guerra entre a Índia e o Paquistão, em 1947. O conflito terminou com a divisão da Caxemira: cerca de um terço ficou para o Paquistão e o restante para a Índia.

Os conflitos não terminaram. Na Caxemira indiana atuam há décadas guerrilheiros separatistas, provocando milhares de mortos. A Índia acusa frequentemente o governo paquistanês de apoiar os guerrilheiros, favoráveis à unificação com o Paquistão. E existe em Caxemira quem, do lado muçulmano, advogue a independência do território – mais um fator de instabilidade.

A tensão entre os dois países e entre as duas principais religiões deu origem a várias guerras e complicou-se a partir do final da década de 90, quando tanto a Índia como o Paquistão se tornaram potências nucleares.

Nas últimas semanas os dois países estiveram à beira de uma nova guerra; registaram-se bombardeamentos aéreos recíprocos. Felizmente, a tensão abrandou. Há dias o Paquistão deteve dezenas de terroristas muçulmanos (que em regra atacam hindus), contribuindo assim para um certo desanuviamento nas relações com a Índia.

A maior democracia do mundo

O Paquistão é um país politicamente instável, onde os militares estão próximos do poder e intervém frequentemente na governação política; na sua curta história, o Paquistão conta com vários períodos de ditadura militar. Mais de 96% da população paquistanesa professa a religião muçulmana, na sua maioria do ramo sunita. O que explica, mas não justifica, o facto de o governo paquistanês frequentemente não rejeitar o apoio a terroristas.

A Índia é a maior democracia do mundo. Não é uma democracia perfeita, até porque muitas normas da sociedade hindu dificilmente podem ser consideradas democráticas – como a estrita divisão das pessoas em castas. Mas a colonização britânica deixou uma certa herança democrática, que foi acolhida sobretudo pelo partido do Congresso, de onde vieram os primeiros governantes da Índia independente.

Nacionalismo e fanatismo

Hoje o partido do Congresso está na oposição a nível federal. Governa o partido nacionalista hindu Janata. O primeiro-ministro Narendra Modi, do qual se esperava um esforço de modernização do país, tem acentuado a sua tendência nacionalista e um certo fanatismo hindu. Como em abril haverá eleições gerais na Índia, há quem receie que Modi aposte num nacionalismo agressivo e numa redobrada proteção à religião hindu, hostilizando a minoria muçulmana e o Paquistão.

O cristianismo conheceu mortíferas guerras de religião na Europa, depois da reforma luterana. Hoje, felizmente, as guerras religiosas entre cristãos estão ultrapassadas.

Mas o islamismo tem uma fação radical que recorre à violência e à morte do “infiel”. Ora no hinduísmo também se manifestam tendências intolerantes, agressivas e xenófobas. A liberdade religiosa tem recuado em várias partes do mundo. E os cristãos são hoje as principais vítimas da intolerância religiosa.