Na Turquia vivem cerca de 14 milhões de curdos. Muitos deles pretendem ter uma nacionalidade própria, o que a Turquia rejeita. Parte dos curdos enveredou há anos pela luta de guerrilha e pelo terrorismo. A certa altura parecia bem encaminhado um acordo de tréguas entre os curdos terroristas e Ancara. Mas a deriva autoritária do presidente turco Erdogan bloqueou o processo de paz.

Povo sem Estado, os turcos também estão presentes noutros países – Síria, Iraque, Irão, etc. Os curdos iraquianos (chamados “peshmerga”) revelaram-se excelentes combatentes contra o “Estado Islâmico” (EI). Por isso têm sido aliados naturais dos americanos na luta contra o EI, que praticamente já não possui território no Médio Oriente. O mesmo se diga dos curdos da Síria.

Ora Erdogan resolveu atacar uma histórica cidade no Norte da Síria, Afrin, onde se encontram milhares de curdos. Estes queixam-se amargamente de terem livrado o Ocidente do “Estado Islâmico” e agora ninguém os proteger dos ataques turcos. Ataques terrestres e aéreos, que já fizeram muitas vítimas civis e destruíram monumentos e obras de arte de grande valor artístico e histórico. Naturalmente que as autoridades turcas negam essas acusações, como ontem se viu num artigo do embaixador turco em Lisboa, no jornal Público. Mas muitos outros testemunhos confirmam-nas.

A Rússia, que tem uma aliança tácita com a Turquia, fechou os olhos, permitindo na prática os bombardeamentos turcos. Os EUA limitaram-se a solicitar aos turcos moderação e cuidado com os civis – pedido que pouco efeito estará a ter. A Alemanha suspendeu a revisão e a manutenção de tanques turcos, e nada mais – talvez para não pôr definitivamente em causa o acordo segundo o qual a Turquia retém no seu território migrantes que desejam vir para a Europa.

O presidente Erdogan e o seu governo consideram todos os curdos uma extensão dos rebeldes que vivem na Turquia. Por isso não se espera que suspendam o ataque a Afrin. O que poderá levar a um confronto com forças norte-americanas estacionadas perto de Afrin.

A concretizar-se esse conflito improvável, seria o primeiro entre membros da NATO. Mais: entre os dois mais poderosos exércitos da NATO, o americano e o turco. Com a política errática de Trump para o Médio Oriente tudo pode acontecer.

Uma coisa é certa: os curdos defenderão até ao fim a sua permanência em Afrin, mesmo contra a poderosa máquina militar da Turquia.