A revolução industrial criou, a prazo, muitíssimo mais empregos, e melhor pagos, do que aqueles que as máquinas eliminaram (o que, por vezes, levou os operários a destruir essas máquinas – teares, por exemplo). E agora, irá acontecer algo parecido com as novas tecnologias? Essa possibilidade inquieta muita gente.

No início da revolução industrial saíram dos campos britânicos, que começaram a ser vedados, centenas de milhares de homens, mulheres e crianças que foram trabalhar para as fábricas nas cidades, em condições de enorme exploração. Nasceu, então, a chamada “questão social”.

O progresso tecnológico tem custos. Demorou demasiado tempo a atenuar as terríveis condições de trabalho – e de não trabalho, por causa da doença e do desemprego – no primeiro século da revolução industrial. No fundo, só com a progressiva generalização do sufrágio universal, já no século XX, foram criadas condições mais humanas para os proletários. Estes passaram a constituir a maioria dos eleitores, o que levou os políticos a dar-lhes alguma atenção. Assim nasceu o Estado social.

Os robots contra as pessoas?

Agora, os avanços na automação, na inteligência artificial, nos robots, na informática e na internet levantam receios de que sejam destruídos muitos empregos. A indústria transformadora, por exemplo, dá emprego a cada vez menos trabalhadores, substituídos por robots e outras máquinas. E a automação ameaça hoje mais a classe média do que o operariado fabril, que já é relativamente reduzido.

Aliás, um dos êxitos do capitalismo industrial, que predominou até cerca de 1970 no mundo desenvolvido, foi ter transferido boa parte dos proletários para a classe média. Mas a ascensão económica e social dos trabalhadores, que foi espectacular, parece ter estagnado nas últimas décadas. O desemprego continua em níveis elevados em muitos países e os salários sobem pouco ou nada – contrastando com a rápida melhoria de rendimentos de algumas minorias.

Os optimistas garantem que os avanços tecnológicos actuais irão criar novos empregos, tal como aconteceu – a prazo - com a revolução industrial. Oxalá, mas não é certo. E, sobretudo, ninguém sabe concretamente que empregos serão esses, qual a respectiva remuneração, etc. É provável que seja na área dos serviços que surjam novas oportunidades de trabalho, mas há serviços como fazer limpezas de casas e escritórios - e serviços informáticos altamente sofisticados.

Mais, não menos, Estado social

Não vale a pena tentar adivinhar as profissões que se extinguirão, como o aparecimento do automóvel tirou o trabalho a cocheiros e a ferradores de cavalos. Uma coisa é certa: se não queremos uma nova “questão social”, que assombrou o século XIX e boa parte do séc. XX, o Estado terá que intervir mais na economia e na sociedade para “amparar” a transição. Isto, numa altura em que o envelhecimento das populações coloca crescentes dificuldades financeiras ao Estado social, onde ele existe.

Será preciso o Estado subsidiar pessoas que ficam sem trabalho, melhorando o subsídio de desemprego – e até, porventura, apoiando financeiramente trabalhadores com emprego, mas mal pagos. Já há vinte anos o economista americano Edmund Phelps, prémio Nobel da economia em 2006, propôs subsidiar salários baixos (Rewarding Work, 1997). Mas não teve sucesso.

Por outro lado, a digitalização da actividade económica tende a aumentar a precaridade do trabalho, uma vez que muitas tarefas podem ser concretizadas a qualquer hora e em qualquer local. É conveniente para algumas pessoas, mas arriscado para muitas outras. O enquadramento legal do emprego tem de ser alterado para evitar a “precarização informática”.

O Estado também terá que gastar mais na educação e na formação, incluindo de adultos que ficam sem emprego na meia-idade e não estão preparados para lidar, por exemplo, com computadores. Mas haverá dinheiro para isso?

Tem de haver, o que significa impostos mais altos para os ricos e para o capital, além de uma mais eficiente gestão das finanças públicas. Ora isto é o contrário (impostos mais baixos para os ricos) do que vemos na presente economia americana. Talvez só uma grave crise económica e social nos EUA mude essa perversa política fiscal. É que a insatisfação das classes médias cresce a olhos vistos: trata-se de uma bomba relógio.

Daí a eleição de Trump, graças aos que ficaram para trás. Mas ele irá desiludir muitos dos seus apoiantes, uma vez que as suas medidas que se desenham no horizonte são frontalmente favoráveis a quem já é rico, como Trump e a maioria dos seus colaboradores.

Ou seja, politicamente não vai ser fácil apoiar os sacrificados pelo progresso tecnológico. Mas será necessário. Assim os governos estejam conscientes de que poderão ter pela frente uma enorme contestação, porventura violenta.