Os alemães não gostaram de trocar o marco pelo euro. Traumatizados pela hiperinflação de 1923, que destruiu as poupanças e preparou o terreno para a futura ascensão de Hitler, antes do euro os alemães orgulhavam-se da sua moeda, que não era enfraquecida pela inflação.

A feroz independência do banco central da RFA, o Bundesbank, subia os juros ao mínimo sinal de tensões inflacionistas. Daí as frequentes críticas germânicas à actuação, menos “fundamentalista”, do Banco Central Europeu.

Mas os problemas que os alemães colocam ao euro não se limitam à política monetária. Também se manifestam na recusa em participar numa concertação de políticas económicas entre os países do euro.

Recorde-se que a união monetária é, ou deveria ser, também uma união económica. Como Jacques Delors sempre alertou, prosseguir apenas a integração monetária, esquecendo a económica, leva ao desastre. Além de que viola o Tratado de Maastricht, que criou a moeda única.

Intervenções cambiais

Em 2016, as contas externas da Alemanha atingiram um excedente de quase 9% do PIB. Porque, como Trump acusa, o euro é uma moeda com uma cotação baixa demais, ajudando as exportações da Alemanha, o maior exportador mundial?

Não, essa crítica falha o alvo. Antes do euro os alemães aprovavam a política do marco forte do Bundesbank, por causa do seu receio da inflação.

A manipulação da taxa de câmbio não foi um instrumento utlizado pela RFA para ganhar competitividade nos mercados mundiais. Conseguiu, com sucesso, conquistar competitividade com inovação e com contenção de custos de produção, nomeadamente salariais.

Mesmo assim, o custo salarial médio na indústria é de 39 euros à hora na Alemanha, contra 34 nos EUA.

Decerto que o euro é uma moeda mais fraca do que o marco alemão. Mas tal acontece porque o BCE não pode atender apenas à economia germânica – tem de actuar em função do conjunto da Zona Euro.

Aliás, como aqui já referi a propósito do proteccionismo pela via cambial (as desvalorizações competitivas marcaram os anos 30 do século passado), hoje grande parte da produção faz-se em cadeias internacionais integradas. Assim, boa parte dos bens exportados contém elementos importados, o que diminui a importância do câmbio monetário.

Aliás, também se reduziu a capacidade de os bancos centrais lograrem manipular o câmbio. A China foi frequentemente acusada pelos EUA de baixar o câmbio da sua moeda, mas essa prática deixou de ser seguida desde há uma década.

O banco central da Suíça tentou há anos impedir a valorização do seu franco, que prejudicava as exportações do país, mas cedo desistiu. O BCE interveio no mercado cambial apenas uma vez e por pouco tempo, em 2000. O Tesouro dos EUA abandonou as intervenções cambiais na última década do séc. XX. É que os bancos centrais e os governos têm fraco “poder de fogo” em mercados que agora são globais e onde estão em jogo quantias enormes.

Importações insuficientes

Assim, parece que o problema do demasiado grande excedente externo da Alemanha tem menos a ver com as suas exportações e se deve, em larga medida, a importações baixas demais. O que, por sua vez, é reflexo do fraco investimento alemão, sobretudo no sector público (que tem um dos níveis de investimento mais baixos do mundo industrializado).

Há um défice de infra-estruturas na Alemanha, tanto nos transportes como no digital. E, em vésperas de abandonar a produção de electricidade em centrais nucleares, os alemães deveriam investir mais nas renováveis. Como as contas públicas do Estado federal alemão também têm excedente (embora muito menor do que o excedente externo), há margem para financiar investimento público sem risco de derrapagens orçamentais.

No sector privado alemão a falta de investimento tem a ver com a excessiva e proteccionista regulamentação dos serviços, que afecta uma sã concorrência, bem como com insuficientes incentivos fiscais a investir.

Mas muito depende, ainda, da tendência germânica para poupar, em vez de gastar – gastar em bens e serviços importados, nomeadamente. E é difícil explicar aos alemães que as suas poupanças são as dívidas de outros, como comentou um economista.

Por isso, a coordenação de políticas que a Alemanha aceita no quadro do euro quase se tem limitado à vigilância das contas públicas dos Estados membros para evitar défices excessivos. É curto.

Se a Alemanha aumentasse as suas importações, ajudaria não apenas a sua própria sociedade como, ainda, os seus parceiros no euro que – como Portugal – têm problemas de equilíbrio externo.

Em Janeiro deste ano as importações alemãs subiram. Será que Berlim está a mudar de opinião? Oxalá, mas antes das eleições em Setembro, na RFA, será prematuro esperar alterações significativas nas posições germânicas.