Desde o início de 2014 que as rendas em Lisboa não param de aumentar. Depois da depressão dos anos de crise financeira, a partir de 2014, a capital portuguesa voltou a ver subir os preços do arrendamento. São cerca de 10% de crescimento nos últimos dois anos.

Os profissionais do imobiliário contactados pela Renascença são unânimes no diagnóstico: a oferta de casas para arrendar está a diminuir. Para isso, concorrem três grandes factores: o aumento dos apartamentos desviados para o arrendamento de curta duração a turistas; a recuperação do mercado de venda, que faz com que as casas para arrendar sejam um bem cada vez mais escasso; e o facto de a reabilitação não estar a ser direccionada para esta área.

“Desde 2015, temos verificado um crescimento do valor médio de arrendamento e que tem a ver com a oferta disponível no mercado”, diz Ricardo Sousa, administrador da rede imobiliária Century 21, uma das maiores operadoras no mercado nacional. Acrescenta que são os jovens e as jovens famílias que mais recorrem ao mercado de arrendamento.

A consequência, garante, é que quem deixa a casa dos pais ou começa uma vida em casal está a ser novamente empurrado para fora da cidade. “A opção de arrendar está a ser limitada pela falta de oferta a valores ajustados à capacidade actual dos portugueses, sobretudo na cidade de Lisboa”, sublinha.

A reabilitação imobiliária, segundo este especialista, tem sido direccionada para o turismo e para o arrendamento de curta duração, afirma o administrador da Century 21. “Existe actualmente no mercado de Lisboa uma escassez de opções de habitação acessível ao arrendamento”, defende.

O turismo “é fundamental” e “tem sido o motor determinante para aumentar a confiança do mercado imobiliário”, afirma. Mas Ricardo Sousa deixa um aviso: “É preciso que haja equilíbrio porque a herança cultural da cidade é o maior factor de atracção de turistas”.

Autarquia lança bolsas para jovens

Para a vereadora da Habitação da Câmara de Lisboa, Paula Marques, seria demagógico associar “directamente o afastamento ou a falta de oferta no sector privado com a proliferação das unidades hoteleiras e do alojamento local”. “Ainda não temos condições para afirmar categoricamente isso”, diz à Renascença.

A autarquia percebeu que o valor de arrendamento no centro da cidade, “nos últimos três a quatro anos”, aumentou. No entanto, admite Paula Marques, a Câmara de Lisboa tem “dificuldade em fazer a regulação daquilo que é uma economia de mercado, tal qual ela está a funcionar”.

Infografia: Rodrigo Machado/RR

O executivo liderado por Fernando Medina lançou recentemente uma bolsa de arrendamento de 24 casas no Bairro 2 de Maio, na Ajuda, destinada exclusivamente a jovens. Os valores destes apartamentos são entre 30% a 40% inferiores aos do mercado. A intenção é que este projecto-piloto possa ser alargado a outras zonas da cidade.

Na semana passada, na reunião do executivo camarário em que se discutiu este projecto, o Bloco de Esquerda, segundo notícia do jornal “Público”, apontou o dedo ao “aumento da procura turística”, considerando que, apesar do “contributo positivo na economia da cidade”, tem “levado a uma degradação da qualidade de vida”.

Para o BE, a “vida característica de Lisboa” está “ameaçada pela especulação imobiliária e pela expulsão dos seus residentes”, mas também “a política de gestão do património imobiliário municipal não tem tido em conta essa realidade”

A vereadora Paula Marques defende que a renda convencionada é uma forma de a Câmara de Lisboa “promover o equilíbrio naquilo que é a livre iniciativa da propriedade privada”.

Arrendar acima das possibilidades

Também Luís Lima, presidente da APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal), enfatiza que, nos últimos dois anos, “alguns proprietários de casas aproveitaram uma oportunidade de negócio que é o alojamento local”.

Tornou-se “difícil” a um jovem encontrar em Lisboa um T1 por 500 euros. “Para um jovem que esteja em início de carreira e tenha um salário de mil euros, é difícil poder pagar 500 euros. Poderia no máximo de pagar até 350 euros”, aponta.

Um inquérito recente da APEMIP demonstra que nas principais cidades portuguesas “60 a 70% das pessoas acham que arrendaram uma casa acima das suas possibilidades, com as consequências que vêm daí”.

O alojamento local acabou por ser positivo para alguns proprietários, mas Luís Lima vaticina que “não terá grande futuro”.

Já Ricardo Guimarães, responsável pelo portal Confidencial Imobiliário, afirma que até 2014 o mercado de arrendamento de Lisboa esteve em depressão, com uma queda de 20% em relação ao período pré-crise.

O motivo mais forte dessa queda terá sido a transferência de vários proprietários do segmento de vendas para o arrendamento. Consequência: um aumento da oferta a preços mais baixos. Isto porque a procura era sobretudo daqueles que não conseguiam aceder à compra de casa pelo bloqueio que o sistema financeiro estava a colocar à concessão de crédito. Assim, o factor preço era determinante no mercado.

Infografia: Rodrigo Machado/RR

Quando a tendência mudou e o mercado de venda recuperou, o fenómeno inverteu-se. “Imediatamente, os proprietários tentam fazer a venda das casas saindo do mercado de arrendamento. Há uma redução da oferta. E isso foi seguido do aumento de rendas”, explica.

A este fenómeno acresce que para o proprietário “abriu-se uma janela com o turismo”. Este especialista explica que os proprietários já não têm só em conta a economia local e, por isso, não têm de ajustar os preços às dinâmicas internas do país. O dono de uma casa pode olhar para quem vem de fora. “Na óptica do proprietário, havendo outras soluções de rendimento, ele usa-as. Esse é um factor que leva a que as rendas subam”, conclui.

O futuro e o exemplo de Barcelona

Ricardo Sousa, que dirige a operação em Portugal e Espanha da Century 21, mediadora norte-americana, dá o exemplo Barcelona que viveu todo este fenómeno anteriormente. “Definiram critérios de arrendamento de curta duração e zonas para hotéis. Protegeram ainda ao comércio tradicional e a zonas emblemáticas da cidade”, exemplifica.

O mediador olha para Lisboa e sente que “as coisas estão a avançar de forma pouco criteriosa, pondo em risco um dos atractivos da cidade e criando limitações para as pessoas que querem estar na cidade”.

O mercado não tem regras? “Mais do que desregulado, falta uma linha estratégica na habitação e no turismo. São duas situações que não podem ser analisadas de forma separada para que haja um critério que potencie o turismo e faça crescer o potencial da cidade, mas também a habitação para jovens”, remata Ricardo Sousa.