No início deste mês de outubro – mais um ano, dedicado à luta contra o cancro da mama – a cantora galega Luz Casal foi entrevistada pelo 'Jornal El Mundo' (e a campanha #podiasereu), uma publicação que há quase uma década assumiu esta luta como sua. Numa conversa tão sentida e tão elegante quanto a sua música, Luz, que se tratou de um cancro da mama em 2007 e, de novo, em 2010, falou das suas canções e explicou porque nunca ocultou a doença: «simplesmente, não podia mentir», mesmo tendo consciência de que tantas mulheres o fazem por receio – justificado, muitas vezes – de perderem o emprego ou se verem seriamente preteridas em termos de ascensão profissional. Mas a entrevista é também muito interessante, porque uma paciente duramente experimentada, que sabe lidar com a fama e a comunicação, chama a atenção para um efeito colateral das campanhas de prevenção que nos deve fazer pensar: «dá-me medo a frivolidade a que por vezes se submete o tema. … Porque o cancro é uma coisa muito séria. E uma doença crónica. É preciso dizer isto, já que nalgumas ocasiões se transmite a ideia de que “estás curada”, quando na realidade nunca deves voltar a baixar a guarda.»

Também Ana Obregón, a Ana dos «Sete» na sua versão castelhana original, após acompanhar o internamento do filho de vinte e seis anos, acometido de um cancro raro, se referiu ao impacto da doença nas suas vidas, o mesmo que sentem tantas e tantas doentes: «A Ana Obregón artista já não existe, já só sobra a mãe. A primeira foi-se e não creio que vá voltar, nunca mais.» Ou como diz Luz Casal, «quando viste o cancro de perto, sabes que não podes ir chorando pelas esquinas, que há muita gente pior do que tu. Como as crianças que não sabem por que lhes caiu esta maldição em cima, ou gente que não responde aos fármacos ou que não tem acesso a eles.»

Assim, que a perspetiva de 1 em cada 8 mulheres virem a desenvolver cancro da mama nalgum momento da sua vida não transforme o impacto assustador dos números numa vulgarização da mensagem, mais propiciadora de um fenómeno de habituação do que de respostas assertivas e eficazes. Sobejamente conhecida pela qualidade da sua comunicação, a campanha #Time To End Breast Cancer da Fundação Estée Lauder em 2018 vem acompanhada por uma variedade de laços cor-de-rosa, laços de tamanhos, de tons, de texturas e de acabamentos diferentes: a cada dezanove segundos uma mulher no mundo é diagnosticada com cancro da mama, o cancro mais prevalente entre o sexo feminino e a principal causa da sua morte nos países afluentes, mas agora sabe-se que todos os cancros são diferentes e que é a sua genética que determina o tipo de doença e não a sua localização. Assim, o futuro constrói-se numa esperança mais sólida, ancorada na possibilidade de identificar minuciosamente as características de cada tumor e na crescente possibilidade de oferecer aos doentes um tratamento personalizado. Para isso, a recolha de fundos para a investigação tem de continuar e de se intensificar e é improvável que os esforços financeiros dos Estados sejam suficientes para corresponder aos custos crescentes na descoberta e, depois, na disponibilização generalizada das novas terapias. Tudo depende de cada um de nós.

Muitas marcas, portuguesas e em Portugal, oferecem 100% do custo dos produtos que criaram para celebrar o direito das mulheres à saúde e muitas das que operam na área dos têxteis estão a desenvolver produtos bonitos e bem adaptados às mulheres que sofreram uma mastectomia. Mas se o tempo não se pode comprar, o tempo é essencial na luta contra o cancro: é preciso criar uma cultura abrangente, de acesso e de confiança, no diagnóstico precoce pois, nos estádios iniciais da doença, é possível curar ou, pelo menos, oferecer uma vida – vigiada, sim – mas longamente agradecida pelos cuidados encontrados. Também é necessário garantir – como uma causa nacional, política, associativa, religiosa – uns hábitos nutricionais adequados, o apreço pelo exercício físico e o abandono do consumo do tabaco e das drogas em geral, evitando sistematicamente comportamentos que propiciam e agravam o aparecimento do cancro.

Finalmente, também é preciso cuidar dos doentes e das suas famílias, e colaborar com os serviços e os profissionais de saúde que tanto se batem pela vitória final. Entre nós há também muitos cidadãos que individualmente se dedicam a esse esforço e muitas organizações que oferecem bens, conforto, cuidados e gratidão. Obrigada: fazem uma diferença enorme.

«Se a solidão te adoece a alma,

se o inverno chega à tua janela,

não te abandones à calma

com a ferida aberta;

melhor esqueces e começas uma vida nova.»

Luz Casal, 2007, do single Vida Tóxica, composto no intervalo das sessões de quimioterapia.