As últimas palavras de Maria, tal como registadas pelos Evangelhos, indicam o caminho cristão com grande simplicidade e eloquência: «Fazei tudo o que Ele vos disser».

Estas palavras têm lugar durante um acontecimento familiar, doméstico e festivo, a celebração de um casamento, convidando os seguidores de Cristo à alegria partilhada e ao desejo de futuro, sentimentos que muito naturalmente experimentamos perante a celebração do amor e o início de uma nova família. Estas palavras de Maria também definem muito bem a experiência de Fátima e o caminho das crianças canonizadas, tal como o Papa Francisco explicou durante o Regina Coeli de 14 de Maio: «A sua santidade não é consequência das aparições, mas da fidelidade e do ardor com que corresponderam ao privilégio recebido de poder ver a Virgem Maria. É também um sinal de que devemos cuidar das nossas crianças.» É, pois, pela fidelidade ao Evangelho de Cristo que a Mensagem de Fátima é grande e se estendeu um pouco por todo o mundo, tal como assinala a belíssima Cruz do Alto que coroa a praça do santuário. E é através do contributo possível de crianças que fala ao coração de gentes de todas as idades e lugares, devendo obrigar-nos a cuidar melhor da sua condição.

A peregrinação do Papa foi, a todos os títulos, um grande êxito. Em primeiro lugar, por efectivamente ter sido uma peregrinação («na paz e na esperança»), apesar de os poderes instituídos não terem evitado flirtar com a mediatização do acontecimento e do peregrino. Mas em Fátima isso não é nada grave: o próprio Papa se dirigiu à multidão como a «irmãos no Batismo e na humanidade» e os demais peregrinos encaminharam-se para Fátima com o habitual entusiasmo português, essa maneira peculiar de lidar com as tradições e as lideranças, isto é, cada um à sua maneira, um mesmo flirt livre e um bocadinho individualista no relacionar-se com a autoridade política e religiosa, baralhando as contas de sociólogos e as análises dos filósofos quanto aos cruzamentos possíveis entre crenças e pertenças, que o povo não é parvo nem é de dar confianças.

Mas, que importa isso, se «temos Mãe!», como sublinhou o Pontífice, querendo ajudar o mesmo bom povo a desembaraçar-se das práticas de «santinhas», às vezes mais exploradas do que o sempre difícil seguimento de Cristo, avesso a privilégios, mundanidades e magias. Mas o Papa da ternura e da humildade não deixou de colocar cada pessoa de bem no centro de tudo, invocando o «cumprimento dos deveres de estado», isto é, a vida quotidiana e as responsabilidades de qualquer cidadão, instando à mobilização contra a indiferença e descrevendo a Igreja de daqui a bocadinho como uma Igreja missionária, acolhedora, livre, fiel, «pobre de meios e rica no amor», ou seja, uma Igreja em processo constante de conversão e que se dirige prioritariamente aos deserdados, aos infelizes, aos excluídos, aos abandonados, aos injustiçados. E, já hoje, nunca fez tanto sentido histórico invocar os órfãos, as vítimas mais inocentes e massivas da violência da guerra, da fome, da insegurança, da doença evitável e da precarização do trabalho, da família e da educação.

A viagem do Papa Francisco também foi um êxito pela perfeita prestação das forças de segurança e pela alegria multigeracional do acolhimento manifestado pelo «Esperançoso Portugal», tão cedo encomendado à protecção da Virgem Maria, negando a ideia fácil de que a Igreja só atrai os velhos. É de realçar a boa cobertura oferecida pelos meios de comunicação social, obrigados a atender aos gostos do povo mas tantas vezes emocionados com a fé e a coragem dos peregrinos. E até pode ser que o Papa Francisco também tenha notado como os portugueses são especiais ao olhar aquele magnífico mar de velas que iluminou a noite em vigília, uma manifestação de fé única, de invenção e prática popular daqueles que há muito se assumem, pelo menos por alguns dias, como parte de um «manto de luz».