Em 2016, quando foi criado o imposto adicional às taxas do ISP, o governo prometeu que a medida seria neutral e que haveria lugar a correções quando o preço subisse. Dois anos depois de ter tido dois aliados chave, o preço do barril em baixa e o euro em alta, a conjuntura internacional levou a cotação do crude a uma trajetória de sucessivas subidas. A 22 de Janeiro de 2016 quando Mário Centeno justificava a decisão de aumentar o ISP – Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, o preço do Brent marcava 27,69 dólares. Na sexta-feira, encerrou a 77,59.

Em Portugal, há quase dois meses que os combustíveis sobem de preço todas as semanas e os transportadores rodoviários já apresentaram ao governo um caderno reivindicativo, mesmo depois do secretário de estado das finanças Ricardo Mourinho Félix ter avisado das consequências de mexer nos impostos. “Se eu reduzir a taxa de ISP, algum imposto ou despesa vai sofrer alterações ou o défice aumenta”, disse Mourinho Félix. O governo não quer desistir de uma receita que já assumiu como definitiva.

Mas que riscos corre o executivo? “Podemos correr sérios riscos de voltar a tempos de 2008 com o país parado com um protesto dos camionistas. Sentimos, na altura, de imediato a dificuldade no abastecimento de bens essenciais. Este é um caso que pode levar a algum desgaste do governo, um desgaste acentuado”, defende Nuno Botelho no Conversas Cruzadas, deste domingo.

“O Governo está a desvalorizar em demasia esta questão. Incorre em vários erros. Desde logo está a faltar à palavra. António Costa falta ao prometido. O que era para ser um imposto transitório, provisório passou a perene. Ninguém já tem dúvidas sobre isso. O imposto adicional funcionou com o barril de Brent barato, agora com o preço do petróleo a subir, o governo diz um 'não, afinal é para manter, não é nada neutral'. É este tipo de situações que retiram credibilidade aos políticos, aos partidos e que temos de censurar”, sustenta o empresário.

“Compreendo a dificuldade do governo, mas também para quem andou a dizer que a austeridade tinha acabado que tinha virado a página da austeridade deve haver certamente várias almofadas para resolver o problema e estou, claro, a ser irónico, porque calculo que não haja”, nota Nuno Botelho.

Luís Aguiar-Conraria: “Governo vai ceder em ano de eleições”

Já Luís Aguiar-Conraria sustenta que a ideia do imposto neutro é um disparate político. “O petróleo está a ficar mais caro. Isso quer dizer que a reação ótima do país como um todo é gastar menos petróleo”, indica o professor de economia da Universidade do Minho.

“Se temos um imposto neutro que baixa quando o petróleo aumenta o que estamos a fazer é que quando o país deve consumir menos petróleo possa continuar a consumir o mesmo, porque o preço se mantém inalterado. Ora isto é tecnicamente um erro. Não queria deixar de o referir. A ideia do imposto neutro é um disparate, ponto final. Agora, uma vez que foi prometido é evidente que a promessa está a ser violada. Não há volta a dar”, afirma Luís Aguiar-Conraria.

Devia então Mário Centeno ministro vir esclarecer os contribuintes “Não acho que haja muito para esclarecer. Obviamente o objetivo são as receitas fiscais. Obviamente Portugal está a crescer menos. As previsões estão a ser revistas em baixa e este adicional ao ISP é uma fonte de receitas que o governo não quer perder. Quer dizer: quando percebemos tudo o que se passa não há nada a esclarecer a não ser vir fazer de nós parvos”, diz, com traço irónico, Luís Aguiar-Conraria

E riscos para o governo? ”Do ponto de vista estritamente político a resposta é, evidentemente, sim. Mas a segunda resposta é: o governo sabe disso. Estamos a um ano de eleições não penso que o governo vá correr riscos e deixar que isso aconteça. O governo cederá o que tiver a ceder”, observa.

“Um outro problema que penso estar no horizonte do governo e já algumas revisões do crescimento económico estão a ficar pessimistas é o efeito do preço do petróleo no crescimento. Nos Estados Unidos já estamos na segunda mais longa expansão económica de sempre e tudo o que sobe cai. Em algum momento o crescimento económico nos Estados Unidos vai abrandar e quando cair o resto do mundo vem por arrasto”, anota Luís Aguiar-Conraria.

“O preço do petróleo a subir - e este é um dado económico mais que estudado - é das principais causas de recessões. Não estou a falar de grandes crises como a de 2008, mas de recessões. No caso da execução orçamental em Portugal o que me parece é que este governo contou desde o início com o crescimento económico como almofada e não só almofada parece estar a acabar como o aumento do preço do petróleo pode fazer com que a almofada acabe mais depressa. E não se trata de um problema que o governo possa resolver numa semana a negociar com alguém”, conclui o professor de economia da Universidade do Minho à entrada de uma semana em que o governo vai voltar ao diálogo com os camionistas.

Manuel Carvalho da Silva: “Governo tem capacidade para resolver”

Um diálogo governo/camionistas que surge 10 anos depois de um grupo de transportadores pesados ter bloqueado a saída do parque de Aveiras, nas imediações da capital, em protesto contra o aumento do preço dos combustíveis. O bloqueio de 2008 provocou a ruptura no abastecimento do aeroporto de Lisboa e bombas de gasolina em todo o país. De resto, a ANTRAM alertou a semana passada que Portugal não está imune a protestos idênticos aos do Brasil contra o sucessivo aumento do preço do diesel.

O fim do bloqueio de 2008 só foi obtido depois do governo ter acedido a descontos nas portagens durante a noite que já não estão em vigor. Já outra das reivindicações a do gasóleo profissional – com carga fiscal reduzida para transportadores – foi criado o ano passado com o reembolso do imposto a mais cobrado em relação a Espanha. Mas só está disponível para pesados de mercadorias de 35 toneladas e com um limite anual de 30 mil litros.

Reivindicações nestas matérias envolvem riscos elevados? Potencialmente este tema pode causar embaraços ao governo, mas é só potencialmente”, defende Manuel Carvalho da Silva.

“O governo tem margem de manobra e capacidade para responder isto se não continuar a empurrar o lixo para debaixo do tapete”, diz o sociólogo.

“Na sociedade portuguesa há muito uma pedinchice muito centrada na ideia de que é possível reduzir impostos. Por regra os trabalhadores são quem menos reclama essa descida, mas não é possível uma redução de impostos que, muitas vezes alimenta discursos e propostas fantasiosas sobre os efeitos de determinados impostos”, defende o professor da Universidade de Coimbra.

“O governo tem de falar verdade sobre os impostos. Aí acho que o que foi anunciado como transitório pode estar mal e não pode passar a definitivo sem uma fundamentação. Em relação aos impostos há que discutir continuamente reformas que criam mais equidade e reduzam os sacrifícios das pessoas”, sublinha Manuel Carvalho da Silva.

Nuno Botelho: “Preço da energia tem de ser alvo de reflexão profunda”

“As previsões no Orçamento apontam para o petróleo a um preço médio de 55 dólares por barril e, neste momento, já ultrapassou os 80 e isso causa apreensão até porque o dólar está a valorizar”, observa, o seu turno, Nuno Botelho.

“É por isso que Mourinho Félix já veio dizer que não há margem para resolver o problema. A questão central é porque disseram ser um regime transitório. Estão a faltar à palavra”, acusa Nuno Botelho.

“Outra questão, ainda falando em energia, é ter sido confirmado, esta semana, pelo Eurostat o que sabíamos: Portugal é - em proporção dos rendimentos - o país da União Europeia onde se paga o gás mais caro e o segundo mais caro na eletricidade”, reafirma o presidente da Associação Comercial Portuense.

“É muito mau não só para os portugueses como para as empresas e o que é mau para as empresas é mau para os portugueses. Tem de ser alvo de uma reflexão profunda e o governo tem de adotar novas soluções”.