Quando refletimos sobre qualquer questão eticamente complexa, muitas vezes, somos confrontados com o argumento da “rampa deslizante (1)”. Ou seja, até que ponto a abertura a uma situação eticamente defensável por um determinado grupo poderá, efectivamente, resultar em situações eticamente inaceitáveis no futuro. Quanto a Portugal, não temos, evidentemente, dados para provar este pressuposto, no entanto, hoje é evidente que nos três países na Europa (Holanda, Bélgica e Luxemburgo) o enquadramento legal e a prática evoluíram no sentido de um alargamento e banalização da eutanásia.

Se tal como agora propõe o BE, a eutanásia ficava sujeita a regras restritivas e limitada a casos excecionais, todos relacionados com situações terminais, foi-se tornando cada vez mais abrangente e facilitada, a ponto de abranger pessoas idosas, dementes, doentes mentais e até menores de idade (na Holanda e na Bélgica a eutanásia a menores é legalmente permitida).

De facto, não só os números mas as pessoas envolvidas nos processos de eutanásia têm chamado atenção para esta realidade; Theo Boer médico envolvido em processos de eutanásia afirma “when I’m showing the statistics to people in Portugal or Iceland or wherever, I say: ‘Look closely at the Netherlands because this is where your country may be 20 years from now.”(2) Também Berna Van Baarsen pediu a demissão à Comissão de avaliação dos pedidos de eutanásia porque considerar inaceitável o aumento muito significativo da eutanásia em doentes com demência. Só na Holanda, existem no momento, três casos em investigação e uma condenação de médicos que eutanasiaram doentes que tinham quando estavam capazes de tomar decisões, solicitado através de uma directiva antecipada de vontade (vulgo testamento vital) a eutanásia mas que quer eles quer a família na altura que esta foi praticada objectaram veementemente. Um caso similar aconteceu recentemente no Canadá um doente deprimido, mas sem qualquer outra complicação de saúde, foi eutanasiado contra a vontade expressa e reiterada da família.

Já no campo dos números, a realidade é avassaladora; em 2010 do total de mortes por eutanásia na Holanda (3136) foram eutanasiados cerca de 25 doentes com demência, e 5 doentes psiquiátricos, em 2017 do total de mortes (6585) 300 foram idosos sem estar em fase terminal, 150 doentes dementes e 75 doentes psiquiátricos. Convém além disso sublinhar que destes últimos, 7 tinham problemas relacionados com a alimentação e 3 dependências de álcool e/ou drogas. Na Bélgica, a situação é muito idêntica…com 3 crianças a serem eutanasiadas no ano de 2017.

Se estas 500 pessoas (cerca de 1000 se juntarmos os dois países) não são prova da rampa deslizante, quantas mais terão que ser mortas para realmente termos dados que permitam confirmar o enorme risco da solução proposta?

* Ana Sofia Carvalho é professora do Instituto de Bioética, na Universidade Católica Portuguesa


(1) “Slippery slope” em inglês

(2) Quando mostro as estatísticas do nosso país em Portugal e na Irlanda, por exemple, eu sublinho: “Olhem atentamente para os números holandeses porque se aprovarem a lei é assim que o vosso país poderá estar daqui a 20 anos”