04 jun, 2016 - 13:00
No domingo, a Suíça torna-se o primeiro país a votar, em referendo, a criação de um Rendimento Básico Incondicional (RBI), um conceito humanista lançado nos anos 1960. O RBI visa garantir a todos os cidadãos um rendimento mínimo que permita assegurar a subsistência.
O RBI foi proposto por 100 mil subscritores, que sugeriram como valor base 2.500 francos suíços (2.250 euros), por mês e por adulto.
Na opinião de muitos conselheiros das comunidades, a aprovação em referendo deste rendimento mínimo fixo seria "uma tábua de salvação para muitos portugueses em situação precária".
"Muita gente tem vindo para a Suíça e está numa situação apenas de sobrevivência", afirma Domingos Pereira, conselheiro das Comunidades Portuguesas em Zurique. No país estão mais de 280 mil emigrantes portugueses.
"O trabalho temporário é uma vertente muito forte” na Suíça, admite Domingos Pereira, denunciando o mito da taxa “baixíssima” de desemprego. “As pessoas trabalham à hora, à jornada e, portanto, não havendo trabalho, não há ordenado".
A ser aprovado, o RBI vai substituir os vários benefícios sociais. Mas não se dirige aos novos imigrantes – apenas aos que já estão registados no país.
Domingos Pereira sublinha que "os portugueses trabalham muitas horas" na Suíça, onde "o custo de vida é elevadíssimo".
Mais de 4.400 portugueses também querem
A petição pela criação de um Rendimento Básico Incondicional (RBI ), que se traduz na atribuição de uma prestação paga pelo Estado a todos os cidadãos, sem condições prévias, já foi assinada por 4.408 portugueses.
O documento, disponível no site “petição pública”, o justifica o RBI com o "crescente aumento da pobreza, da precariedade, do desemprego, da insegurança da população e os enormes avanços tecnológicos que reduzem drasticamente a necessidade de mão-de-obra humana".
Para os criadores da petição portuguesa, estes factores justificam a "necessidade urgente" de uma estratégia "diferente daquelas que têm sido aplicadas até agora", defendendo que "as evoluções tecnológicas e científicas da humanidade" permitem actualmente "acabar de vez com a pobreza".
A quantia definida teria de garantir condições de vida dignas, "de acordo com os padrões sociais e culturais do país", o que significa que o rendimento líquido deverá, no mínimo, "estar ao nível de risco de pobreza de acordo com os padrões europeus, o que corresponde a 60% do denominado rendimento mediano por adulto equivalente no país".
Os defensores do RBI consideram que o rendimento dá, deste modo, oportunidade a cada pessoa de "escolher livremente um trabalho verdadeiramente gratificante, social e economicamente produtivo ou outras formas não remuneradas de contribuir para a sociedade".
Todos estes motivos levam os subscritores da petição a querer que o RBI seja debatido na Assembleia da República.
O PAN – Pessoas, Animais, Natureza é um dos defensores do RBI e realizou, em meados de Fevereiro, um debate de dois dias sobre o tema, e anunciou que iria levar a proposta ao Parlamento.
Holanda e Finlândia querem testar RBI
A ideia de um rendimento mínimo fixo não é nova. Há um movimento internacional que, desde 1986, defende esta ideia.
A cidade holandesa de Utrecht prepara-se para lançar um programa-piloto, com duração de dois anos, para testar o conceito. Mas neste teste, o rendimento incondicional não vai ser pago a todos os cidadãos – apenas a um grupo de pessoas já beneficiárias de prestações sociais e sujeitas a determinadas obrigações.
O objectivo da experiência é avaliar de que forma a inexistência de condições para receber um pagamento mensal afecta o comportamento das pessoas, nomeadamente se, por exemplo, se sentem mais motivadas para procurar um emprego.
Na Finlândia, a coligação de centro-direita eleita em Maio de 2015 também anunciou a intenção de testar a atribuição de um rendimento básico incondicional no país.
Segundo a agência governamental que supervisiona os apoios sociais, Kela, o programa visa testar alternativas ao actual sistema de segurança social, explorando nomeadamente a forma de criar incentivos ao trabalho e quebrar a "armadilha da pobreza", em que os beneficiários preferem não aceitar um trabalho cuja remuneração é equivalente ao que recebem da segurança social.
Outro dos objectivos é reduzir a burocracia e simplificar os procedimentos caros e complexos da gestão das prestações sociais.
Nem na Holanda nem na Finlândia foram ainda definidos os montantes a pagar, estimando-se que variem entre os 800 e os mil euros mensais.
A aplicação concreta de um verdadeiro rendimento básico universal aconteceu apenas no estado norte-americano do Alasca, nos anos 1970, mas a medida foi considerada discriminatória em relação aos migrantes de outros estados pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos. A decisão levou a uma alteração da proposta e à criação, em 1982, de um verdadeiro rendimento básico incondicional.
O conceito de um rendimento mínimo foi pela primeira vez referido pelo humanista inglês Thomas Moore na obra “Utopia”, publicada em 1516, e desenvolvido pelo humanista e seu maior amigo Johannes Ludovicus Vives.