"Grande decréscimo" de portuguesas
Para Ana Fatela, diretora clínica da MAC, os dados do período 2015-2023 contam uma história: houve “um grande decréscimo de mulheres [portuguesas] que têm o parto na MAC em relação às estrangeiras”.
“Realmente tem vindo a diminuir o número de cidadãs nacionais a ter o parto na MAC. Não sei se o mesmo se passará ao nível dos outros hospitais, mas provavelmente connosco passa-se exatamente porque a população que reside na nossa área é essencialmente estrangeira”, diz.
A mudança demográfica na área de influência da MAC é indiscutível. Em 2022, de acordo com o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), viviam, no concelho de Lisboa, 118540 residentes estrangeiros. Recue-se até 2015 e o mesmo número desce para menos de metade: 51690.
Existe, porém, outra explicação que não pode ser excluída.
Nos últimos anos, com os serviços de Obstetrícia e Ginecologia do SNS sob pressão, muitas portuguesas optaram por fazer o parto no privado. Em 2021, os hospitais privados fizeram quase 30% dos partos na região de Lisboa e Vale do Tejo. No primeiro semestre de 2023, o número de partos no privado em Lisboa subiu 20%, face ao ano anterior.
Os números da MAC mostram, então, uma fuga das mulheres portuguesas para o setor privado? Ana Fatela não exclui a possibilidade. Mas também não tira conclusões taxativas.
“Sinceramente, não sei. Sabemos que, por força das circunstâncias, o SNS ter diminuição das suas capacidades, leva a que algumas pessoas também tenham medo de vir ter o seu bebé à maternidade e ao SNS, e o vão fazer aos hospitais particulares”, afirma.
A diretora clínica da MAC admite que, internamente, nunca foi feita “uma análise muito pormenorizada sobre o assunto”.
A Renascença solicitou a três grupos de saúde privados – Luz Saúde, Lusíadas e CUF –, que têm hospitais que servem o concelho de Lisboa, dados relativos ao número de partos e nacionalidade das mães, nas suas unidades na capital. Nenhum respondeu.
Problemas de tradução
Um dos desafios do aumento de número de grávidas estrangeiras é a comunicação. A MAC conta com equipas multidisciplinares, trabalha com assistentes sociais – que visitam as grávidas em casa – e com uma rede de tradutores, que servem a Unidade Local de Saúde (ULS) de Lisboa.
Mesmo assim, há urgências em que a única solução é recorrer ao Google Tradutor ou qualquer outra aplicação semelhante.
Algumas grávidas “trazem já o seu intérprete. Outras vezes é o marido, que já está em Portugal há mais tempo, e sabe falar mais um bocadinho de inglês ou português. Mas a comunicação é sempre difícil”, conta Ana Fatela.
“Quando não é a própria grávida que expressa as suas necessidades e nem sequer é ela que percebe aquilo que estamos a dizer, às vezes as coisas nestas traduções múltiplas são um bocadinho deturpadas.”
O testemunho de Ana Fatela fica patente quando a Renascença conversa com Marabhou, 42 anos. O imigrante do Bangladesh aguarda na sala de espera da MAC, ao lado da esposa e do filho de oito anos, por uma consulta de obstetrícia. Ela não fala, recusa.
O casal imigrou para Portugal há mais de uma década e o primeiro filho já nasceu na MAC. No parto do segundo, esperado para o final de setembro, deverá acontecer o mesmo. O facto de estarem à espera já há uma hora não os incomoda.
“Nesta maternidade está tudo bem. O Centro de Saúde mandou-nos para aqui, a doutora é boa, por causa disso voltamos outra vez.”
Em Portugal, todos os imigrantes, “com ou sem a respetiva situação legalizada”, têm acesso ao SNS. O mesmo para turistas e refugiados.
Caso possuam autorização de permanência ou residência válida (temporária ou permanente), os imigrantes são registados no Registo Nacional de Utentes (RNU). Posteriormente, é-lhes atribuído um número de utente.
“Uma vez obtido este número, a responsabilidade financeira é previsivelmente assumida pelo SNS, independentemente de benefício por qualquer subsistema público”, dita a lei portuguesa.
Caso se encontrem em situação irregular, os imigrantes têm acesso ao SNS mediante “a apresentação de um documento da junta de freguesia da sua área de residência que certifique que se encontram a residir em Portugal há mais de 90 dias”.
“Estes cidadãos são registados no RNU (…) sendo-lhes exigido o pagamento dos cuidados recebidos segundo as tabelas em vigor”, diz, também, a legislação
Existem, ainda assim, algumas exceções em que os cuidados de saúde são isentos. E uma delas é: “Cuidados no âmbito da saúde materno-infantil e saúde reprodutiva, nomeadamente acesso a consultas de planeamento familiar, interrupção voluntária da gravidez, acompanhamento e vigilância da mulher durante a gravidez, parto e puerpério e cuidados de saúde prestados a recém-nascidos.”