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Luís António Santos
Opinião de Luís António Santos
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Fechar a porta sobre o Cavaquismo. E deixá-la fechada

09 mar, 2016 • Opinião de Luís António Santos


Dizem que foi um excelente PM mas teve presidências apagadas, sem chama. É uma argumentação frágil

Uma das figuras que mais terá influenciado Cavaco Silva – pela percepção sobre a gestão da coisa pública e, sobretudo, pela clara semelhança de percursos – terá sido Margaret Thatcher que disse, um dia, algo deste tipo: ‘crio uma opinião sobre outra pessoa em dez segundos e muito raramente a altero’.

Aqui chegados, ao fim de 20 anos de presença na política ativa, poder-se-á dizer com alguma certeza que a maioria de nós terá demorado um pouco mais do que os tais dez segundos, mas, nesta altura, tem uma ideia sobre o político, o que fez e o que deixou que se fizesse. Mesmo que seja com dúvidas.

Se exceptuarmos a primeira maioria absoluta como líder do PSD, a existência política de Cavaco Silva foi uma lenta progressão no sentido da cada vez menor relevância, que deixou pelo menos duas marcas profundas no nosso sistema político e na nossa economia.

A primeira delas foi a sedimentação de um modelo de desenvolvimento assente no crescimento mútuo e tendencialmente especulativo de dois sectores - a banca e a construção civil - com impactos na gestão pública, desde o nível da junta de freguesia ao Estado Central, e com impactos na promoção de fantasias megalómanas um pouco por todo o país. Foi Cavaco que impôs o modelo e foram as distorções por ele criadas que nos afunilaram as opções.

A segunda foi a promoção de uma nova elite política – que se encavalitou também, de forma substantiva, nos dois sectores acima mencionados – formada, em grande medida, por pessoas com mais ambição pessoal do que talento e disponibilidade para trabalhar em nome do bem comum. Cavaco Silva fez deles gente, promoveu-os, beneficiou com os seus negócios e deu-lhes medalhas.

Os média - de quem se diz nunca terem gostado dele - recordam-nos, por estes dias, alguns dos momentos mais trágicos da sua existência política, como o hastear da bandeira ao contrário, o bolo-rei, o episódio das escutas ou o (tão revelador) detalhe de abdicar do salário presidencial em favor de uma reforma mais simpática. São instantes. Alguns duram menos do que os dez segundos da srª Thatcher. Mas ajudam-nos a construir a imagem de um político em permanente conflito com a natureza plural da vida política, de um agente em constante estado de alerta relativamente a "ataques", de uma figura, enfim, que sabendo muito pouco sempre viveu como se soubesse tudo.

É curioso perceber, nestes momentos finais, que até alguns dos seus apoiantes de todas as horas parecem construir um discurso que anda em torno de uma ideia-chave - foi um excelente primeiro-ministro mas, porque se agarrou demais a uma visão institucionalista do cargo, teve presidências apagadas, sem chama. É uma argumentação frágil que nos diz muito mais sobre uma carreira que se foi arrastando para um estado moribundo do que qualquer crítica forte produzida por um adversário político.

O Cavaquismo partiu num sopro manso. Nunca poderia ter sido de outra forma. Feche-se bem a porta logo a seguir.

Comentários
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  • Hugo Soares
    20 mar, 2016 Lisboa 17:10
    Bem andaria o articulista, que advoga isenção nas opiniões sobre os políticos e sobre os governos se tivesse mais presente os valores com que Cavaco Silva ganhou eleições. Não é uma questão de opinião, são factos. A saber: CS ganhou a 1.ª maioria absoluta como PM em 1987 com 50, 22% dos votos e ganhou a 2.ª maioria em 1991 com 50,6%. Subiu a votaçao, portanto. No caso das eleiçoes presidenciais, CS ganhou as primeiras à 1ª volta com 50,54 , em 2006 (deixando candidatos de peso como Alegre e Soares a menos de metade) e ganhou a 2ª maioria presidencial em 2011, com 52,95%. Subiu a votaçao, portanto. Como entender, então, a "... lenta progressão no sentido da cada vez menor relevância..."? Só por manifesta falta de isenção. Para quem advoga o contrário....
  • Vitor Lopes
    11 mar, 2016 Lisboa 13:07
    Sr. Luís António Santos, o seu comentário é apenas um desabafo com muita azia
  • Madalena Ferreira
    09 mar, 2016 Lamego 19:51
    Cavaco, só teria a benção dos jornalistas e comentadores se fosse a favor do aborto, da eutanásia, do casamento dos homossexuais e da adopção de crianças por gays e lésbicas. Como não é, tem a imprensa contra ele. A imprensa é a favor do PS e do Bloco de esquerda, são afinal os meninos bonitos desta ditadura jornalística.
  • Henrique Teixeira
    09 mar, 2016 Vila Real 19:41
    Sr. Luís António Santos, Cavaco quando saiu do governo em 1995, deixou Portugal com uma dívida pública de 9% do PIB. Seguiu-se Guterres e dois Ministros das finanças, Sousa Franco e Pina Moura, que deixaram uma dívida pública de 41% do PIB. Depois a dívida pública continuou sempre a subir e hoje atinge 120% do PIB. Portugal paga por ano, 8000 mil milhões de euros em juros, por causa desta dívida gigantesca que criámos. Não gastamos isso em saúde ou em educação. Hoje o maior ministério que temos, é o "ministério da dívida". A "cavalgada" da dívida pública começou com o governo socialista de Guterres. Não é necessário dizer mais nada, os factos falam por si.
  • Domingos
    09 mar, 2016 Ancora 14:56
    Aqui o Senhor Doutor aparece com uma amnésia seletiva sobre o cavaquismo. Veja o Senhor Dr. Soares e Dr. Sampaio. Que marca deixaram? Apelou ao consenso político e lutou por um Portugal moderno... Mas as elites entre as quais as académicas estão agarradas e presas de pés e mãos aos seus interesses
  • emigrante
    09 mar, 2016 Londres 13:38
    Comparar Dr. Cavaco Silva funcionário publico toda a vida com a Sr. Thatcher, anti estado burocrático, é não saber o que diz, o Dr. Cavaco ajudou a criar o monstro que é o estado nos dias de hoje, sempre negociou com os sindicatos e submeteu-se as corporações que ainda hoje dominam o estado, nunca se preocupou com as pequenas e médias empresas, criou a aberração que são os subsídios de férias para os reformados, ao contrário a Sr. Thatcher desmantelou o estado destruidor de riqueza, acabou com as greves no sector mineiro do carvão, privatizando e fechando minas que eram centro de corrupção pagos pelos contribuintes Ingleses, veio dar razão 35 anos mais tarde, aos ambientalistas, que hoje são contra o consumo de energias fósseis, acabou com as greves nas telecomunicações, aviação, portos e estaleiros navais, setor que Portugal beneficiou. Se o Dr. Cavaco tivesse tido a mesma coragem dessa senhora certamente a nossa economia estava melhor nos dias hoje.
  • António Costa
    09 mar, 2016 Cacém 13:29
    A "Liberdade para Escolher" de Milton Friedman. Este economista e estas ideias vão "lançar" Margaret Thatcher e Ronald Regan. Só que para se poder escolher "em Liberdade" tem de se ter dinheiro......por isso é que o "nosso amigo" Donald Trump diz as atoardas que lhe vem à cabeça e os outros.....bem os outros "repetem" as instruções de quem lhes paga as "contas"......E como sempre, "os mais livres" ( com dinheiro ) escolhem, e os "menos livres" .........
  • J. Simões
    09 mar, 2016 Lisboa 13:04
    Se calhar era melhor deixá-la, pelo menos, meio aberta. à primeira o "festival" a que estamos a assistir não indicia bons ventos! Vamos ver.
  • Rodrigo Callado
    09 mar, 2016 Cantanhede 11:45
    Citando : "Se exceptuarmos a primeira maioria absoluta como líder do PSD, a existência política de Cavaco Silva foi uma lenta progressão no sentido da cada vez menor relevância, que deixou pelo menos duas marcas profundas no nosso sistema político e na nossa eco." Lenta progressão ? No sentido de cada vez menor relevância ? Cavaco Silva teve uma segunda maioria absoluta a seguir, depois foi Presidente da República durante dez anos com duas maiorias absolutas. Chama a isto "menor relevância" ? Ser Presidente da República depois de ser Primeiro Ministro é descer de cavalo para burro? Aprendeu a comentar onde ?
  • Alberto Martins
    09 mar, 2016 Lisboa 11:43
    "Fechar a porta sobre o Cavaquismo. E deixá-la fechada..." E deitar a chave fora...de preferência enterrá-la bem fundo na cratera de um vulcão em actividade...para a desfazer...