Em retrospetiva, Kiko sente que o valor de mercado que tinha possa ter caído. O capitão já tinha integrado a equipa principal no ano passado. Ajudava a compor o banco em momentos de aperto e até já tinha feito alguns minutos na I Liga, apontada por muitos como a melhor do mundo. Mas na noite anterior ao arranque desta época, nem pregou olho.
“Não dormi, sabia que ia jogar na I Liga. No ano passado, tinha 80% de probabilidade de não jogar, mas nesse dia deitei-me na cama a saber que ia jogar, que ia dar na televisão e que ia ser capitão na I Liga”, recorda.
Sporting e Benfica são presenças habituais na “final four” da Liga dos Campeões e defrontar os melhores do mundo é um aliciante para qualquer jogador: “Contra o Sporting fui à moeda ao ar e tinha o meu ídolo à frente: o Merlim. Marquei o meu ídolo. Passei do sofá para jogar contra eles”.
“O Candoso deve estar orgulhoso porque aguentámos”
O fardo de ser a equipa que sofre goleadas em todos os jogos tem um impacto para lá das quatro paredes do pavilhão. Chega às vidas pessoais de cada um. É essa a perceção de Kiko: “Chego à universidade e perguntam quantos foram…”
“Por dentro, penso: ‘olha-me este’. Não sabem a tristeza que é chegar ao balneário e ver as caras deles depois de levarmos 10. Custa-me um bocado”, reconhece.
A equipa aguentou e levou a época até ao fim. Depois do Torrense, duas novas goleadas: 8-0 na visita ao Ferreira do Zêzere e 3-12 contra os Leões de Porto Salvo, em casa, na despedida da temporada. O Candoso igualou o pior registo da história da prova com os mesmos zero pontos que o FC Azeméis na época passada, mas sofreu mais e marcou menos.
Todos lamentam o desfecho, mas ninguém se mostra arrependido. O presidente foi até incentivado a desistir, face às dificuldades, mas não arredou pé: “Tive amigos que me disseram que estava a ser tolinho por continuar”.
“Era só pedir a demissão e teria feito algo histórico, do distrital à I Liga. ‘Sérgio, não sejas tolo e desiste’, diziam-me. Mas o que me move não é que me façam uma estátua lá fora, os holofotes ou o Canal 11. É a paixão pelo clube. Fiz de tudo aqui: fui motorista, treinador, fisioterapeuta, roupeiro. Sempre me orgulhou a união forte da freguesia em torno do clube. Desistir, nunca”, conclui.
Kiko diz que o clube “deve estar orgulhoso”. “Aguentámos”, destaca. É, talvez, a maior vitória deste jovem plantel.
“Fomos muito homens, não era qualquer um que aguentava este ano todo”, diz. O treinador concorda: “Eu não estou numa fase da carreira em que me evito queimar, estou quase reformado e vim para ajudar. Não me arrependo”.
Rui Oliveira é o mais novo de todos. É alto, tem olhos azuis e um cabelo longo à Beatle. É jovem e tem a carreira pela frente, mas reconhece que o Candoso abriu a porta a uma oportunidade única a todos eles: “Por outros caminhos, se calhar nenhum de nós estaria na I Liga, sinceramente”.
Por trás da bancada do pavilhão, destaca-se uma enorme tarja: “Vençam por nós”, lê-se. Esta época, isso não foi possível, mas as esperanças renovam-se daqui a uns meses, quando o Candoso voltar à competição, na segunda divisão.