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Ribeiro Cristóvão

Bitaitadas

25 abr, 2014

Conservo comigo memórias inapagáveis que colocam o professor Hernâni Gonçalves no restrito grupo de pessoas que mais admirei nas minhas vivências em anos de futebol.

Viver e conviver com ele era renovar, todos os dias, a nossa capacidade de enfrentar a adversidade tal era a força que nos transmitia em cada gesto ou palavra.

O Professor era um homem de relação fácil. Que não se vergava aos canones da ditadura do futebol, sempre tentada a separar os bons dos maus, os que eram a favor ou estavam do outro lado barricada.

Para ele não havia inimigos, mas apenas “compagnons de route” que se juntavam todos os dias e em todas as horas evitando assim transformar num inferno a vida para a qual o futebol nos queria conduzir a todos.

Três dezenas de anos iniciaram uma relação de Amigos que não se viam muitas vezes mas que, mesmo à distância, persistiam em manter os afectos.

O Professor Bitaites foi sempre um farol a iluminar as noites escuras em que com frequência mergulham amizades transtornadas pela acefalia do futebol, um campo tantas vezes perverso onde impera amiúde o desejo de ganhar a qualquer preço.

A época em que esteve ao lado de Pedroto foi um marco. 

Era sempre ele quem, num tom colorido e descontraido, nos aproximava de uma frente de batalha frenética com objectivos bem direccionados, e sempre com Lisboa e o Sul colocados meticulosamente na mira.

Foi, muitas vezes, devido à sua capacidade interventiva e apaziguadora que foi possível gerar consensos tidos como impossíveis, ajudando assim a destruir barreiras que pareciam intransponíveis.

Mas foi, sobretudo, no Europeu de Inglaterra em 1966, o tal em que Poborsky destruiu o sonho lusitano de chegar pela primeira vez a uma final ao fazer em Birmingham o golo impossível que nos obrigou a regressar a casa, que Hernâni Gonçalves foi o homem providencial no acalmar de tensões e na extinção do vulcão em que a nossa selecção parecia querer transformar-se.

“As forças armadas estão preparadas”, o seu grande Bitaite quando havia chegado a hora de iniciar a refrega.

E depois era só esperar, todos os dias, que fosse dado um nove mote como força motriz para ajudar a prolongar a caminhada.

Ficamos todos por entre a maior saudade desta enorme figura que desaparece.

Mas ao mesmo tempo roídos de inveja por quantos, do outro lado da vida, passam agora a disfrutar da companhia daquela que foi uma das mais ternurentas figuras que passaram pelo nosso futebol.

“No te digo adiós, te digo hasta sempre” , Professor Hernâni Gonçalves…