Já todos vivemos momentos destes. Num jantar alguém diz uma frase inconveniente para um dos convivas e instala-se um silêncio aterrador. Como se sai da situação? Quem vai desbloquear o momento? Através de uma piada qualquer ou através do confronto? Seja qual for a saída, o jantar fica normalmente estragado e até ao fim será um pesadelo.
Com a detenção de José Sócrates vivemos um tempo mais ou menos assim, e estamos ainda na fase do silêncio aterrador. Apesar do nosso barulho, o da comunicação social, com todos os pormenores da notícia, o silêncio está num plano mais fundo e perturba muito.
E como vamos sair daqui? Neste caso, a hipótese de uma piada fácil está afastada. Seja qual for a saída, certo, como no jantar, é ser até ao fim um pesadelo.
É bom que a justiça tenha razão, porque foi competente, defendeu o Estado de direito e defendeu a igualdade dos cidadãos perante a lei. É bom que Sócrates esteja inocente e não passe da fase de suspeito, pois é mau de mais para o país que um ex-primeiro-ministro enfrente um processo por fraude, evasão fiscal e branqueamento de capitais.
No mundo dos negócios fala-se muitas vezes em situações “win win”, mas neste caso não há espaço para vitórias. Só a verdade da razão interessa, mas esteja de que lado estiver vai ser feia.
Se a justiça traçou caminhos correctos, o espaço político vai ficar comprometido e ainda mais descredibilizado; se Sócrates for inocente, a justiça sofre um enorme tropeção. Uma ou outra credibilidade ficará afectada.
Até agora, os comentários políticos têm sido muito comedidos, e ainda bem. Mas não podemos ser ingénuos. Aproxima-se um ano de eleições e, nestes momentos, as fraquezas humanas costumam sobressair e falar mais alto: a par de manchetes mais ou menos sensacionalistas, o caso vai estar na “ventoínha” da política.
Vai estar não, já está. Nas redes sociais já começou a guerra e é por si só demonstrativa de como, no combate político, se vão confundir os planos: no Facebook, Duarte Marques, antigo líder da Juventude Social-Democrata,
dá aleluias à actuação do juiz Carlos Alexandre. Também no Facebook, Edite Estrela
lança a pergunta: "Qual a melhor forma de desviar as atenções do escândalo dos vistos gold?".
O que virá a seguir? O que vão fazer e dizer ao longo do ano outros dirigentes políticos, sejam cabos de esquadra ou de patente mais elevada?
As lideranças políticas estão enfraquecidas: o Presidente da República e o Governo estão desgastados e o novo PS de António Costa está já metido num enorme sarilho, condicionado politicamente pela detenção de José Sócrates.
O espaço para a demagogia está aberto. Após as eleições europeias, percebeu-se que o espectro político ficou mais fraccionado e com lugar certo para os sensacionalismos, à esquerda e à direita. O caso Sócrates é a cereja em cima do bolo.
Não podemos mudar a realidade, mas o bom acordar da justiça está revelar uma sociedade doente e que, no mínimo, precisa de mais exigência: BPN, BPP, Ricardo Salgado, Face Oculta, Monte Branco, a detenção do director do SEF, e agora a detenção de Sócrates e o que mais há-de resultar do caso BES.
A perspectiva do que vem aí é um pesadelo e incomoda-me.