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José Luís Ramos Pinheiro

Digitalizo, logo socializo

19 nov, 2014 • José Luís Ramos Pinheiro

Fico espantado por haver esta espécie de presunção de impunidade quando se fala de comunicação digital.

As redes sociais e as novas formas de comunicação digital representam uma oportunidade acrescida na comunicação em sociedade: para pessoas, empresas e demais instituições.

A comunicação digital, desde a blogosfera às redes sociais, representa um novo espaço público de comunicação. Mas não haja confusão: tudo o que aí se diz, escreve e partilha é, por natureza, do domínio público. No mundo digital socializa-se o que antes era eminentemente privado. E a socialização pode ocorrer pela vontade - ou contra a vontade - de quem comunica.

Por outro lado, pessoas sem acesso à chamada comunicação social podem agora pronunciar-se sobre os mais variados assuntos, incrementando o valor da sua própria opinião que fazem circular pelo território digital. Daí que os académicos da comunicação já não falem em consumidores de informação, mas em produtores / consumidores (prosumers, na versão inglesa). De facto, para além dos profissionais de comunicação, milhões de pessoas em todo o mundo “carregam” diariamente no mundo digital impressionantes quantidades de conteúdos, sobre as mais diferentes situações e ocorrências.

Mesmo a comunicação digital que se desenrola em grupos alegadamente fechados surge frequentemente partilhada, citada e comentada nos mais imprevistos destinos.

De resto, há pessoas que (se) expõem conteúdos inenarráveis violando as mais elementares regras da sua própria privacidade. Se um jornal, uma rádio ou uma televisão exibissem tais conteúdos seriam de imediato acusados – e com razão – de violarem o seu código deontológico nem se livrariam, porventura, de um mais que merecido processo judicial.

Mas estas novas possibilidades trazem consigo as responsabilidades de sempre. Aquilo que não era admissível escrever num jornal ou dizer numa rádio ou numa televisão (por violar direitos ou interesses legítimos de terceiros) continua a não ser admissível, em plena esfera digital.

Atentar contra o bom nome ou a honra de alguém não passa a ser permitido, desde que a ofensa se tenha processado pelo “método” digital; de igual modo, não se podem defender os interesses de uma empresa concorrente, só porque tal defesa ficou “circunscrita” à esfera digital; como não se podem ofender os direitos de imagem de alguém, sob o pretexto de que a comunicação se processou “apenas” numa determinada rede social; nem se pode consentir no plágio, com o argumento de que a obra em causa foi detectada, por obra e graça da arte de bem “googlar”.

Fico espantado por haver esta espécie de presunção de impunidade quando se fala de comunicação digital.

Pelo contrário, no digital as responsabilidades dos autores da comunicação - sejam ou não profissionais do sector - não se diluem, acentuam-se. De facto, a informação colocada no espaço digital, na primeira pessoa, e portanto sem mediação, responsabiliza muito mais o seu autor, uma vez que não poderá escudar-se na responsabilidade do mediador (um jornalista, por exemplo) que alegadamente tenha interpretado ou traduzido erroneamente o seu escorreito pensamento.

Mas há um misto de leviandade e de ingenuidade na utilização destas novas ferramentas de comunicação, confundindo-as com simples conversas de café, deixando, por vezes, resvalar a linguagem para níveis tóxicos que deviam envergonhar os respectivos autores.

Acontece que estas novas ferramentas não são menos exigentes do que outras; nem dispensam a educação, o bom senso e o bom gosto.