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Graça Franco

Supervisor avesso ao risco

18 nov, 2014

Carlos Costa repetiu, à exaustão, o argumento da impossibilidade legal para uma actuação mais célere e acabou a reconhecer que “gostaria”, se “pudesse”, de ter sido mais rápido. Ao menos isso. Sempre ficamos mais tranquilos.

Porque levou o Banco de Portugal dez meses a afastar Ricardo Salgado quando sobre ele pendiam fortes suspeitas de falta de idoneidade? A pergunta deu, segunda-feira, o mote de abertura da Comissão de Inquérito e a primeira resposta obtida é simples e desarmante: porque não pôde fazê-lo mais cedo.

Carlos Costa repetiu, à exaustão, o argumento da impossibilidade legal para uma actuação mais célere e acabou a reconhecer que “gostaria”, se “pudesse”, de ter sido mais rápido. Ao menos isso. Sempre ficamos mais tranquilos.

Como se esta confissão de impotência não bastasse, foram necessárias 12 longas horas de audição para ficarmos a saber um dado ainda mais extraordinário: não só o Banco de Portugal não podia arriscar perder, em Tribunal, um processo de afastamento de Ricardo Salgado, mesmo com base em fortes indícios de falta de idoneidade (por mais evidentes que eles fossem), como o desejado afastamento acabou por só se mostrar possível com recurso a um truque de atraso sistemático na renovação dos chamados “registos”.

O atraso da resposta do supervisor traduzia-se em não renovar os “registos” recorrendo sempre a novas perguntas. Que “registos” eram esses? Perguntaram estupefactos os deputados. E Pedro Duarte Neves explicou do que se tratava. Uma espécie de veto de gaveta à renovação das autorizações de exercício de cargos de topo nas empresas do grupo, previstas no articulado do Regime Geral das Instituições de Crédito e que, a espaços, deveriam  ser obrigatoriamente renovadas. Sem eles nada feito e Salgado acabou a perceber que estava efectivamente num beco sem saída. Foi isso que o terá levado, em Abril, a apresentar “voluntária” e finalmente o plano da sua própria sucessão desejada pelas autoridades desde Setembro do ano passado.

“Déjà vu”. Foi a sensação. Já no caso BPN fora a falta de poderes de intervenção a explicação mais óbvia para justificar a ineficácia de boa parte da intervenção (ou falta dela) do supervisor. Ainda estávamos a falar de Constâncio. Afinal não bastou o substancial reforço dos poderes ocorrido nos últimos seis anos, sempre na sequência dos sucessivos casos BCP, BPP, e BPN.

E se há frutos positivos da comissão de “boa memória” (presidida pela pragmática Maria de Belém) foi sem dúvida o reforço dos poderes de supervisão, da qual resultou o “salto qualitativo” de que Carlos Costa falava ontem e que se traduziu, por exemplo, na capacidade dos supervisores passarem a dispor, em permanência, de equipas a trabalhar dentro das próprias instituições supervisionadas, com destaque para os oito maiores bancos do sistema. Não chegou.

Esperemos que, pelo menos desta vez, o legislador resolva definitivamente as respectivas limitações, para que não voltemos a ouvir um novo governador voltar a queixar-se de que o que o seu colega britânico consegue com um simples “franzir de sobrolho”, o que ele só a muito custo leva dez meses a conseguir.

Perante a óbvia limitação legal, o que Carlos Costa não conseguiu provar foi se podia ou não ter agido para além da lei. A simples palavra do Governador deveria ter chegado para apear, na praça pública, ou no silêncio dos gabinetes, de forma bem mais eficaz, o banqueiro suspeito. Era isso que depositantes e accionistas esperavam. E não é claro que a leitura minimalista dos respectivos poderes e a obsessiva fixação na preservação da chamada “estabilidade” sistémica não tenham inibido ainda mais o uso dos já parcos poderes disponíveis.

Neste ponto Carlos Costa e Cavaco Silva mostram-se perigosamente parecidos. Sem violar a lei e para além dela haverá certamente mil maneiras de exercer a justa magistratura de influência. Assim se queira arriscar efectivamente exercê-la. Temo que para além da sua genuína boa vontade, segundo os manuais de economia, o actual governador possa ser classificado como o tímido e típico “supervisor avesso ao risco”.