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Graça Franco

Novos bárbaros

23 out, 2014

Jovens e não jovens, licenciados ou totalmente desqualificados, com raízes de classe média ou com origem nas franjas mais marginais não se encaixam num único retrato robot e parecem ter apenas em comum uma súbita e terrível atracção pela barbárie e pela violência extrema.

Os ataques terroristas desta quarta-feira no Canadá, apesar dos efeitos limitados, mostram que no Ocidente entrámos numa nova etapa no combate à ameaça terrorista do designado "Estado Islâmico".

Primeiro o museu de Bruxelas. Depois a decapitação de um soldado em Espanha, há poucos dias o atropelamento intencional de dois soldados canadianos e agora o ataque às sentinelas do memorial de guerra seguido do ataque ao Parlamento canadiano. Parece óbvio que encontrou eco o apelo lançado pelos radicais do "Estado Islâmico" aos seus seguidores para que efectuem, nos respectivos países de origem, o maior número possível de ataques a "infiéis" que se oponham ao Califado.

Os dois terroristas mortos nos dois últimos ataques no Canadá tinham em comum a sua recente conversão ao Islão e o facto de estarem identificados como "viajantes perigosos" a quem as autoridades canadianas tinham retirado o passaporte por terem fundadas suspeitas das suas intenções em partir para a Turquia para, a partir daí, se juntarem aos radicais. Impedidos de sair para integrar a linha da frente, a opção aparente foi atacar, servindo a mesma causa, no território nacional.

Nestes casos a ameaça estava identificada, mas foi impossível neutralizá-la a tempo. Noutras, nem isso. Hoje calcula-se que haja mais de 2500 combatentes de origem ocidental. Destes entre 12 e 15 serão portugueses - segundo confirmou em entrevista à Renascença Rui Machete, acrescentando que "dois ou três" gostariam de regressar a Portugal.

Serão contudo, na sua maioria luso-descendentes de 2º e 3ª geração nascidos e educados fora do espaço nacional e que partiram de França, Bélgica ou Reino Unido para o terreno de guerra. Claro que se admite que tenham ainda em Portugal uma rede de ligações familiares que lhes possa servir de recuo sobretudo se quiserem voltar para o Ocidente e verem barrado o regresso aos respectivos países de origem. A este risco estão atentas as autoridades policiais.

Daí a necessidade urgente de cooperação entre todas as autoridades do chamado espaço Schengen de forma a evitar que o endurecimento da política de controlo de fronteira de alguns (casos da Grã-Bretanha, Holanda e Bélgica, recusando já o regresso de suspeitos de simpatia pelo Califado) acabe por acentuar a ameaça em países como Portugal que podem passar a apresentar-se como alternativa para local “de recuo” de ex-combatentes ou “desiludidos”.

A ameaça existe e, como frisou Rui Machete, mesmo em caso de regresso de eventuais “desiludidos”, contra os quais apenas haja suspeitas de envolvimento terrorista (porque se houver provas haverá prisão e aí ficará o caso arrumado), eles ou elas continuarão ainda a constituir sempre uma ameaça quanto mais não seja pelo risco social do desequilíbrio associado a quem viveu longos períodos emerso na violência total.

Difíceis de detectar precocemente estes novos terroristas radicais não têm muitas vezes nenhum passado criminal, sendo desconhecidos das autoridades. Parecem ser sobretudo recém-convertidos (muitas vezes de forma superficial e via net) não tendo a maior parte das vezes contacto com as comunidades muçulmanas locais e parecendo mover-se, em muitos casos, mais por um difuso desejo de “vingança” contra a frustração da sua vida Ocidental do que por qualquer verdadeiro ideal religioso.

Jovens e não jovens, licenciados ou totalmente desqualificados, com raízes de classe média ou com origem nas franjas mais marginais não se encaixam num único retrato robot e parecem ter apenas em comum uma súbita e terrível atracção pela barbárie e pela violência extrema.

É este ponto que nos deve fazer pensar. Todos constituímos o núcleo duro dos alvos desta nova ameaça e cada um a seu modo é chamado a combatê-la.

Se fingirmos que não é nada connosco podemos acordar dentro de uns escassos meses num mundo ameaçadoramente diferente.

A Al-Qaeda está longe de ser vencida. Talvez até mais do que nunca se prepare para um ataque em grande escala que lhe garanta protagonismo e a recoloque no quadro das ameaças a ter em conta. Os terroristas do Califado, são contudo ameaça ainda maior.

Pelos meios financeiros enormes de que dispõem e que lhe permitem oferecer altos salários aos seus combatentes, o que em tempos de crise lhes permite também recrutar facilmente verdadeiros “mercenários” (como ainda lembrava o ministro dos Negócios Estrangeiros na entrevista citada) fascinados por um estranho poder de atracção pelo mal que cresce entre nós.

É um jovem australiano de 17 anos, que em Junho saiu de casa “para ir à pesca”, o novo rosto da propaganda jihadista. Eram britânicos os carrascos dos Ocidentais decapitados, é canadiano o atacante de ontem em Otava. E a qualquer momento podem ser portugueses ou luso-descendentes os próximos a matar, ou decapitar, entre nós sem ponta de hesitação ou risco de remorso.

Cabe-nos por isso lutar com todos os nossos meios e estar atentos a todos os sinais contra esta violência que subtilmente nos vai cercando e se banaliza.

Evitando deixar crescer na solidão dos seus quartos de classe média, imersos nos seus portáteis topo de gama, vagueando nas margens negras das redes sociais ou nas franjas desprotegidas e excluídas na nossa sociedade, uma juventude sem ideais, nem valores com sede de vingança da sua própria frustração.

São esses os viveiros ideias para o recrutamento de novos bárbaros.