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Eunice Lourenço

A lei não é para todos

05 set, 2013

Legisla-se muito e mal em Portugal. A lei da limitação de mandatos, que, na sua origem, quereria credibilizar a política e combater situações de abuso, acaba a ser um factor de ainda maior descredibilização dos políticos.

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, já disse que há leis mal feitas. Quando era presidente do Parlamento, Almeida Santos  também chamou a atenção para a qualidade legislativa. O Presidente da República, Cavaco Silva, já vetou diplomas por má redacção. Até já aconteceu o Tribunal Constitucional interpretar um artigo constitucional de forma contrária à do seu autor.

Legisla-se muito e mal em Portugal. Toda a gente que importa para o assunto e que podia mudar o estado das coisas chegou à mesma conclusão. E agora chegamos ao ponto em que o Tribunal Constitucional, cuja composição é determinada pelos legisladores, vai dizer ao órgão legislativo o que é que, afinal, queria dizer com uma lei aprovada há oito anos.

A lei da limitação de mandatos, que, na sua origem, quereria credibilizar a política e combater situações de abuso, acaba a ser um factor de ainda maior descredibilização dos políticos. Todos: autarcas, deputados, dirigentes partidários e as eleições autárquicas - aquelas que, supostamente, implicam mais proximidade entre eleitos e eleitores -, acabam por estar envoltas numa trapalhada jurídica que só afasta os cidadãos da política e piora a imagem dos políticos.

O PSD e o PCP dizem que não há dúvidas sobre o que se pretendia com a lei de limitação de mandatos: era só evitar mais de três mandatos consecutivos na mesma autarquia. Mas o social-democrata Paulo Rangel, que participou no processo legislativo, diz que não, que o objectivo era impedir que a mesma pessoa fosse presidente de câmara mais de 12 anos seguidos. É o contrário do seu partido, que é o campeão dos candidatos que saltam de concelho depois de cumprirem o limite numa autarquia. 

O socialista Vitalino Canas, também considerado um dos "pais" da lei, garante que a limitação é apenas territorial. Também ao contrário do seu próprio partido, que agora entende que a limitação é absoluta e não candidata autarcas que tenham completado os três mandatos numa câmara.

Mesmo assim, mesmo com o actual líder socialista, António José Seguro, a fazer desta questão como que um ponto de honra, o PS acabou por alinhar num pacto de regime informal. Salvo muito raras excepções, motivadas por quezílias muito locais, PSD, PS, CDS e CDU não tentaram impugnar qualquer candidatura.

Só o Bloco de Esquerda furou este pacto e teve a iniciativa dos pedidos de impugnação mais relevantes e respectivos recursos até ao Constitucional. Mas também se compreende que assim seja: é o menos autárquico dos partidos. É o que tem menos a perder e mais a ganhar.

Assim chegamos ao ponto em que os juízes constitucionais determinam quem pode ou não ser candidato autárquico. Mas a sua decisão não terá força de lei geral, só se vai aplicar aos casos apreciados.
 
Todos os outros candidatos, todos os casos em que não houve pedido de impugnação, já estão descansados e com a campanha em velocidade de cruzeiro.

Afinal a lei quando nasce não é para todos. E as decisões constitucionais também não.