Emissão Renascença | Ouvir Online

Pedro Leal

Chamem-se as crianças do costume

25 abr, 2013

Quando o poder tem medo chama sempre as crianças para substituir o vazio. Ontem como hoje a regra é a mesma.

Antes do 25 de Abril não havia cerimónia de inauguração em que Américo Tomás não tivesse crianças sorridentes ao seu lado. Marcelo Caetano seguia a mesma cartilha.

As crianças, com esta ingenuidade sincera de quem oferece sorrisos sem esperar nada em troca, são sempre um recurso para a cobardia política.

Este ano, na cerimónia oficial do 25 de Abril na Assembleia da República, não houve povo nas galerias do Parlamento. Foi substituído por crianças de escolas básicas. Não tenho a certeza sobre a verdadeira razão desta decisão. Mas desconfio: não vá alguém estragar a festa.... chamam-se as crianças.

Ao povo restou a rádio e a TV, onde ouviu largas referências ao seu sentido de responsabilidade e à necessidade de se ouvir a voz da cidadania, como referiu Cavaco Silva no seu discurso.

Os políticos de excepção não são os de esquerda ou de direita. São os que entendem cada momento da história, sabem interpretá-la e agem. Recordemos apenas alguns: Helmut Khol (pai da reunificação Alemã); Mikhail Gorbachev (último líder soviético e que percebeu a necessidade de mudança); George Bush pai (que apesar de vencer a Guerra Fria teve o discernimento de não humilhar a União Soviética); François Mitterrand; (que não recusou a reunificação alemã); Adolfo Suárez (que teve a difícil tarefa de conduzir a Espanha à democracia) Enrico Berlinguer (pai do euro-comunismo e que, antes de muitos, virou as costas à União Soviética); e, o último desta pequena lista, Nelson Mandela que ao ódio ofereceu a paz.

A democracia tem o seu quê de teatral e os gestos ajudam-nos a perceber atitudes. Por isso, separar as cerimónias oficiais do 25 de Abril do povo é um erro. É um erro porque revela medo, porque significa não se perceber o que se passa para além do Terreiro do Paço ou do Chiado.

Nas alturas criticas é preciso dar a cara e estar presente, mesmo correndo-se o risco de uma vaia ou de outra. Mesmo correndo-se o risco de alguém se aproveitar da própria democracia.