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Luís António Santos

"Diálogo" também é uma palavra grega

26 jan, 2015

Catástrofe e diálogo são duas palavras com origem grega. As televisões nacionais – jornalistas e comentadores – escolheram olhar para o que ontem aconteceu a partir da primeira. Os gregos apostam na segunda.

Quem, ontem à noite, só tenha conseguido ouvir falar do que aconteceu na Grécia através das operadoras nacionais de televisão deitou-se, certamente, na dúvida sobre se hoje o Sol voltaria a iluminar o dia.

Se, por um lado, se percebeu de forma generalizada, um uso desregrado (incorreto e eticamente reprovável até) da palavra ‘radicais’, perceberam-se também – num canal mais do que nos outros dois – o que pode resultar da combinação preconceito/falta de preparação.
 
Segundo um dos enviados especiais a Atenas, quase todos os indicadores de colapso do ‘mundo como o conhecemos’ começaram já a estar visíveis, mesmo a um domingo. A ‘assustadora’ vitória do Syriza trouxe inúmeras dúvidas – Sai ou não sai do Euro? Como vai lidar com os compromissos? Quem acham vocês, Srs. telespectadores, que vai ‘pagar a conta’? – às quais o uso de um guarda-chuva, numa das intervenções, acrescentava até um tom premonitório de tempestade. Apropriando-me de (mais uma) marca grega na nossa cultura diria que seria cómico, se não fosse trágico.

O que ouvi – num canal da ‘concorrência’ internacional  - foi coisa bem diferente. Foi o retrato de um país que votou, em democracia, num partido novo. Com tudo o que isso representa, naturalmente, de incerteza mas também de empolgamento. Ouvi falar da enorme adesão às urnas, ouvi falar da forma pacífica e civilizada como correu o dia e ouvi um primeiro-ministro eleito dizer que terá chegado ao fim um período de medo e autoritarismo. Ouvi especialistas (daqueles a sério) dizer que Tsipras tem mais margem de manobra interna do que se imagina porque o voto dos gregos não foi um voto de confiança (no sentido de que ‘há promessas para cumprir’) mas antes um voto de esperança (mesmo que seja pequena). E ouvi indicações – as primeiras – de que responsáveis políticos europeus (como o ministro belga das Finanças) estavam já a fazer parte do caminho para encontrar um entendimento com as novas autoridades de Atenas.

Catástrofe e diálogo são duas palavras com origem grega. As televisões nacionais – jornalistas e comentadores – escolheram olhar para o que ontem aconteceu a partir da primeira. Os gregos apostam na segunda. Mais do que saber quem ganha, talvez fosse importante perguntar para que queremos um jornalismo que não sabe ser mais nada para além de caixa de ressonância da voz mais grossa?